Montesquieu não conhece o Brasil, mas reconhece
A tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é uma concepção do filósofo francês Charles-Louis de Secondat — o barão de Montesquieu
“O Brasil vivencia uma ditadura do poder judiciário”. Besteira. A afirmativa é desprovida de sentido prático, não se sustenta. A massa — que se comporta como papagaio de lupanar — repete esse discurso a miúde. Também pudera. O senso comum tem muita percepção das coisas, mas pouco discernimento.
A tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é uma concepção do filósofo francês Charles-Louis de Secondat — o barão de Montesquieu. Mas, como tão aristocrática figura invadiu esse espaço? Elementar, meu caro Watson. O ilustre iluminista do século XVIII ampara a análise sobre as instituições essenciais dessa Terra de Santa Cruz (valha-me, Deus!). A teoria básica de Montesquieu — que recomenda a separação e interdependência entre os poderes — inspira as modernas constituições mundo afora. A tese é ideia central do livro “O Espírito das Leis”. Vale a pena folhear displicentemente as páginas da publicação.
Veja bem. A liberdade de ação dos três monstrengos (Executivo, Legislativo e Judiciário) seria controlada por meio de freios e contrapesos. Na prática, o funcionamento do sistema é muito simples. O Legislativo “empareda” o presidente da República e os ministros da corte. Em outras palavras, deputados e senadores (leia-se aí principalmente o Centrão) têm potencial para assombrar as noites mal dormidas do presidente da República e juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) com o fantasma do impeachment.
O STF, por sua vez, mira as cabeças do chefe do Executivo e parlamentares. Há uma bela guilhotina à disposição desses “artistas”. Já o mandarim maior da nação não tem tanta artilharia para um confronto direto com os seus antagonistas do Congresso e Suprema Corte. Nesse caso, o eventual frequentador do Palácio do Planalto dispõe de duas solitárias armas: as chaves dos cofres públicos e o poder de veto. Cafés pequenos frente aos riscos de um impedimento.
E qual a configuração atual do Brasil? Se Montesquieu desembarcasse por essas bandas ficaria perplexo com a “harmoniosa” balbúrdia da tripartição tupiniquim. Mas, atenção. Não existe autoritarismo do Judiciário. Prevalece — na paisagem institucional — apenas um fenômeno extremamente bizarro, nos últimos tempos. A seara legal (o Judiciário) conquistou um exagerado protagonismo. O grande responsável por essa façanha tem nome e sobrenome: Sergio Fernando (sic) Moro, o grande canastrão de Pindorama. A forte adjetivação (canastrão) tem razão de ser: o ex-capa preta do Paraná foi um péssimo ator da magistratura. O seu deslumbramento, a ânsia de holofotes e a imensa sede de poder contaminaram todas as instâncias da Justiça tupiniquim.
Diante desse cenário — onde protagonismo se confunde com ditadura — só resta uma forma de se restabelecer o equilíbrio estatal: o retorno da toga para o interior da sua caixinha. E como Montesquieu sairia do Brasil? Atônito, mas aliviado. Como assim? Ele teria uma clara percepção: os poderes convivem estranhamente dentro do espírito da lei. Então, o pensador europeu conhece o Brasil e reconhece a normalidade constitucional da nação. Conclusão óbvia: Alexandre de Moraes não é nenhum caricato ditador de republiqueta de bananas. Ele apenas mantém a lustrosa careca na frente de potentes holofotes. Ainda bem.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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