Morre Jean-Luc Godard, cineasta dos filmes políticos e radicais; relembre principais obras
Segundo o jornal francês Libération, o pai da Nouvelle Vague não estava doente, mas muito cansado e com mobilidade reduzida, e recorreu ao suicídio assistido na Suíça.
O cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard morreu nesta terça-feira (13), aos 91 anos. Segundo o jornal francês Libération, o pai da Nouvelle Vague não estava doente, mas muito cansado e com mobilidade reduzida, e recorreu ao suicídio assistido na Suíça, país em que essa opção é legal.
“Ele não estava doente, apenas esgotado”, disse a família ao jornal Libération. “Foi decisão dele e é importante que se saiba”. Outras pessoas próximas confirmaram a informação ao periódico francês.
Conhecido por uma filmografia radical e politicamente ativa, Godard esteve entre os diretores mais aclamados de sua geração, com filmes clássicos como “Acossado” (“À bout de souffle”), que o lançou para o cenário mundial em 1960. O filme seguiu a história de uma jovem americana em Paris, interpretada pela atriz Jean Seberg, e seu caso condenado com um jovem rebelde em fuga, interpretado por Jean-Paul Belmondo.
Esse filme, que marcou sua estreia cinematográfica, revolucionou o cinema popular e logo colocou Godard como um diretores mais vitais e provocadores do mundo. Afinal, ele reescreveu regras para câmera, som e narrativa. Soube também ser controverso, como quando seu longa “Je Vous Salue, Marie” (1985) foi rejeitado pelo Papa João Paulo II — o filme chegou a ser proibido no Brasil. Mas Godard também fez uma série de filmes com carga política e experimental, que intrigavam seus fãs e críticos.
Relembre principais clássicos
O cineasta Jean-Luc Godard deixou uma obra vasta e diversificada, classificada hoje como uma das mais importantes do cinema mundial. Para quem conhece pouco (ou nada) dos longas assinados por Godard, selecionamos 11 títulos considerados essenciais.
Acossado, de 1960
O primeiro longa, baseado numa história de François Truffaut. Jean-Paul Belmondo/Michel Poiccard arrasta Jean Seberg/Patricia numa aventura sem volta. Ele mata acidentalmente um policial, é perseguido e morto. Deixa a companheira com uma interrogação: o que é dégalasse?’ Um faroeste urbano dedicado à Monogram, que só fazia filmes B em Hollywood. Um compêndio de homenagens e referências, mas que pode ser desfrutado por ignorantes de cinema. Não é preciso ser cinéfilo de carteirinha. Basta relaxar, e gozar. Onde assistir: Apple TV (aluguel ou compra).
Viver a Vida, 1962
Anna Karina, que foi mulher do diretor, é sublime como Naná, que se prostitui e, sem consciência da própria miséria humana e social, chora no escurinho do cinema assistindo a O Martírio de Joana D’Arc, de Carl Theodor Dreyer. Godard divide o filme em quadros. A fotografia (de Raoul Coutards) e a trilha (de Michel Legrand) são das mais belas que existem.
O Desprezo, 1963
O Godard mais clássico de todos. Uma adaptação livre do romance de Alberto Moravia, com Brigitte Bardot como a mulher de um roteirista de cinema, Michel Piccoli, que escreve uma versão da Odisseia — com estátuas —, para a direção de um grande, o próprio Fritz Lang. Godard tira logo a roupa de Brigitte, mas a personagem dela vai na contramão do mito. A moderna Penélope vira personagem trágica. Não era seu homem porque ele não é nenhum Ulisses. Cena antológica: Jack Palance como o produtor norte-americano: “Quando me falam em cultura, saco da caneta (para assinar os cheques)”.
O Demônio das Onze Horas, 1965
A imagem célebre — Jean-Paul Belmondo e Anna Karina trocam aquele beijo, cada um na direção de um Cadillac em sentidos contrários. Como em Acossado, outro casal na estrada, num tour de France que Jean Tulard define como picaresco e violento. E, como em O Desprezo, a presença do mar. Onde ver: Paramount+.
A Chinesa, 1967
Jean-Luc Godard antecipa Maio de 68 trancando num apartamento um grupo de estudantes que bradam slogans revolucionárias. Ele estava na sua fase maoísta. A grande cena — Anne Wiazemsky, com o chapeuzinho cônico chinês, simula estar sendo bombardeada por Tio Sam e brada “Socorro, M. Kossygin’, invocando o político soviético.
Week-End à Francesa, 1967
Godard e a civilização do automóvel, como símbolo do consumismo capitalista. Um casal parte numa viagem de fim de semana, mas fica preso na estrada. Acidentes, provocações, ambulâncias para lá e para cá e muita — muita — violência. Com Mireille Darc, que era então uma estrela, Jean-Pierre Léaud, Jean Yanne e Anne Wiazemsky, que depois escreveria aquele livro crítico sobre sua união com o grande diretor — um pesadelo filmado por Michel Hazanavicius (“O Formidável”, de 2017).
O Vento do Leste, 1970
Um dos filmes da fase em parceria com Jean-Pierre Gorin. Godard em seus anos de militância no coletivo Dziga Vertov. Um western ideológico com a participação de Glauber Rocha. Cena marcante — a encruzilhada. Mais que os personagens, o cinema seguirá por qual via?
Quando esteve em São Paulo para lançar Gringo Velho, de Luis Puezo, por volta de 1990, Jane Fonda destilou veneno sobre Godard. Não guardava uma lembrança muito boa desse filme que fez com ele e o ícone de esquerda Yves Montand. Tudo vai bem? Nada! Uma greve numa fábrica de salsichas. Uma repórter norte-americana e seu marido francês, diretor de cinema. Na sequência, Godard fez, de novo em parceria com Gorin, Letter To Jane. Onde ver: Globoplay.
Je Vous Salue, Marie, 1985
O filme virou um case no Brasil quando o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, fez de tudo para proibi-lo — o que aconteceu sob mando do presidente José Sarney. Je vous salue, Godard. Myriem Roussel como a estudante que trabalha como frentista num posto. Ela tem um namorado taxista. É virgem. Aparece um tal Tio Gabriel, que diz que ela está grávida. A anunciação, segundo Godard. As cenas de sexo revoltaram a Igreja Onde ver: Globoplay.
Elogio ao Amor, 2001
Edgar (o próprio Jean-Luc Godard?) tem um projeto sobre o amor. Filme, ópera, livro. Pretende reunir três casais. Vai em busca de uma mulher libertária, mas ela resiste a se deixar filmar. Um filme de crise, fragmentado e até contraditório, mas, de certa forma, acessível. Não por acaso, foi selecionado pela Suíça como pré-candidato no Oscar.
Imagem e Palavra, 2018
Imagem e Palavra. Godard e o mundo árabe. Por meio de colagens, cenas de filmes, entrevistas, fotos, Godard reflete sobre a guerra, e a guerra da informação. Como o Ocidente vê o mundo árabe? A sombra do 11 de Setembro atravessa esse filme que tem a marca do grande autor. Em definitivo, a morte de Godard encerra uma fase. Onde ver: Apple TV.