Motivação: para além do chicote e da cenoura
A grande pergunta que devemos fazer é: a cenoura e o chicote funcionam mesmo para motivar o ser humano?
Como educadora parental e treinadora de equipes e lideranças, trago em pauta o tema da motivação pois vejo que é preciso, mais do que nunca, repensar nossos modelos de criação de filhos e de disciplina e encorajamento no trabalho. Será que temos tido êxito na missão de motivarmos as pessoas à nossa volta?
A simbologia da cenoura e do chicote traz referência à forma com que tradicionalmente nossa sociedade utiliza para “motivar” as pessoas. A cenoura pendurada na varinha é o incentivo para fazer o cavalo continuar indo em frente. Ao mesmo tempo, o animal é condicionado a fugir do chicote que está na parte de trás, fazendo com que vá cada vez mais rápido. No meio político, organizacional e familiar essa simbologia do “chicote e cenoura” se traduz na ideia de que o ser humano é motivado tanto por recompensas como por punições. Há registros do uso dessa expressão desde meados de 1830 e, quase 200 anos depois, esse é raciocínio ainda utilizado em muitas empresas, salas de aula e famílias para incentivar as pessoas.
No ambiente corporativo, as cenouras podem ser as recompensas financeiras, bônus, aumentos, comissões, etc. Já os chicotes podem ser a perda de oportunidades, uma advertência, a não participação em alguns projetos e perdas financeiras, por exemplo. Numa escola as cenouras podem ser pontos extras, estrelas no quadro de comportamento, uma excursão com a turma que comporta bem e os chicotes podem ser a retirada do recreio, a perda de pontos, o nome exposto numa lista de alunos malcomportados ou um tempo no cantinho do pensamento. Da mesma forma, na família os pais podem usar as cenouras através de prêmios como a sobremesa para quem come tudo, o aumento na mesada para o filho que ajuda nas tarefas domésticas, o passeio ao final do ano quando as notas são boas e os chicotes podem vir em forma dos castigos, retirada de privilégios, descontos na mesada ou ameaças.
A grande pergunta que devemos fazer é: a cenoura e o chicote funcionam mesmo para motivar o ser humano? Estamos tão condicionados a este modelo que às vezes não o questionamos ou refletimos sobre os seus efeitos. Fato é que tanto a cenoura quanto o chicote têm o poder de produzir mudanças rápidas de comportamento nas pessoas. Talvez por isso sejam tão utilizados até hoje. O problema é que a mudança não é permanente ou genuína, mas guiada pelos reguladores externos que são o prêmio e o castigo. O profissional, o aluno ou o filho podem parecer motivados inicialmente, mas na verdade agem ou pelo interesse na recompensa ou pelo medo da punição. Interesse e medo, definitivamente não promovem uma transformação significativa e duradoura. O que acontece então é que, na ausência dos reguladores externos — cenoura ou chicote, os comportamentos e as mudanças não permanecem.
E pior do que terem um efeito rápido e não motivarem por muito tempo, a cenoura e o chicote podem trazer outros efeitos colaterais. Embora as punições geralmente levem à rápida interrupção do comportamento indesejado, seja em sala de aula, na família ou no trabalho, é preciso atentar para o fato de que não contribuem para instaurar e modelar repertórios adequados de comportamento, pois ensinam apenas o que não deve ser feito. O medo, uma das consequências mais evidentes da punição, pode levar a comportamentos de fuga e esquiva na tentativa de evitar os estímulos aversivos. A longo prazo, isso pode contribuir para posturas mais retraídas e dificuldades emocionais e de relacionamento social, de modo que as pessoas passa a evitar a se expor a novas contingências e desafios. No caso de pais que usam o castigo físico este efeito negativo é potencializado pois além do medo, provocam raiva, ansiedade, danos à autoestima e diversos outros prejuízos já comprovados no desenvolvimento dos filhos.
Talvez os efeitos negativos do chicote sejam melhor percebidos, porém pesquisas recentes também evidenciam problemas do uso recorrente das recompensas. O primeiro deles é que o prêmio pode roubar o prazer da atividade, transformando algo que seria interessante e natural em um fardo ou obrigação, prejudicando assim, a motivação intrínseca dos profissionais ou crianças. Ao dizer para alguém “Se você fizer isto, receberá aquilo”, você está impondo a ele que abra mão da sua autonomia, que é um importante ingrediente da motivação. Experimente propor ao seu filho que lave as louças em troca de um bônus na mesada e provavelmente você jamais o verá lavando as louças pelo simples prazer em contribuir. Além disso, é muito comum que, passada a empolgação inicial, a recompensa oferecida seja vista mais como direito adquirido do que como um prêmio, perdendo então o seu valor. No exemplo das louças, talvez em pouco tempo seu filho passe a negociar e a exigir uma quantia ainda maior para executar a tarefa, ou até julgar que essa é uma troca que não vale a pena, criando assim um ciclo vicioso e contraproducente.
Um outro problema das recompensas é que elas focam no resultado, sem valorizar o processo de aprendizagem, que inclui também os erros e falhas pelo caminho. Talvez o profissional se esforçou para bater as metas todos os dias do mês, mas em dois dias não conseguiu e por isso acaba perdendo o seu bônus no fim do período. O desequilíbrio esforço-recompensa, especialmente quando as metas propostas são difíceis de serem alcançadas, levam a um efeito inverso e o que seria para motivar, acaba desmotivando. A recompensa pode ter um efeito punitivo, pois não receber o prêmio esperado equivale a ser punido. Quanto mais a recompensa é desejada, mais desmoralizadora será a sua falta. Sem contar que muitas vezes o prêmio poderá estimular a competição e gerar ainda mais estresse e ansiedade.
E, por fim, o uso das recompensas também pode promover uma espécie de “jogo” de manipulação. Se de um lado os pais usam o prêmio para que as crianças façam o que eles desejam, por outro, as crianças oferecem o bom comportamento em troca do prêmio que almejam. Cria-se, então, um ciclo de manipulação na medida em que pais e filhos negociam para obter o que querem. A longo prazo, esse “jogo” ensina a agir por interesse próprio e não estimula a cooperação e o desejo legítimo de contribuir. E, além disso, as crianças expostas a esse modelo poderão reproduzir isso em seus relacionamentos atuais e futuros.
O que fazer então? É necessária uma mudança de paradigma, a começar nas famílias, para então atingir as escolas e organizações. Os pais devem buscar ferramentas não para controlar os seus filhos, mas ajudá-los a desenvolver o autocontrole e sua própria “bússola moral” de modo que, mesmo sem nenhuma figura de autoridade por perto, eles sejam capazes de ponderar e fazer escolhas conscientes. Precisamos voltar a aprender a agir bem pelo prazer natural de crescer, desenvolver e colaborar. Nos ambientes corporativos e escolas, o foco deve ser em encorajar os alunos e profissionais, promovendo a autonomia e o desejo de se auto gerenciar, assim como a maestria, que leva à busca intrínseca de se aperfeiçoar e desenvolver novas habilidades. E, por fim, precisamos ajudar as pessoas a descobrirem seu propósito e significado. Uma pessoa motivada é aquela que conhece o seu porquê e age não por medo ou interesse, mas pela convicção dos seus valores e seu papel no mundo.
Me conte como essa reflexão chega para você.
Sobre a colunista
Nina Magalhães é mãe de três, Terapeuta Ocupacional, mestre em Educação e Saúde e certificada como Educadora Parental e Consultora em Encorajamento. Palestrante e escritora, atua em diversos projetos em defesa da infância.