MPF recomenda suspender divulgação dos resultados do CNU

Ministério Público exige bloqueio dos resultados até que questões relativas à aplicação da lei de cotas raciais sejam resolvidas

MPF recomenda suspender divulgação dos resultados do CNU
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O Ministério Público Federal recomendou a suspensão da divulgação dos resultados finais do Concurso Público Nacional, o CNU. A decisão vale até que as falhas no cumprimento de regras relativas às cotas raciais previstas na legislação brasileira sejam resolvidas.O Ministério Público Federal (MPF) endereçou sua recomendou ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) e à Fundação Cesgranrio, a banca organizadora do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU).

O MP publicou o documento na tarde da última sexta-feira (31), com assinatura do procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino. Em sua recomendação, ele afirma que o inquérito do caso identificou uma série de irregularidades. “Os elementos evidenciam um cenário de grave violação à política afirmativa de cotas raciais”, afirma o documento. Portanto, continua o procurador, “comprometendo sua finalidade, a igualdade de acesso ao serviço público e a higidez do certame”, escreveu.

Segundo o MPF, há indícios de que a Fundação Cesgranrio não notificou adequadamente os candidatos reintegrados. Isso comprometeu a isonomia entre os concorrentes. “Bem como de que deixou de fundamentar adequadamente as decisões de enquadramento de candidatos nas cotas de pessoas pretas e pardas”, diz a recomendação do MPF.

Esta e outras recomendações ocorrem a iminência de divulgação do resultado do CNU, com previsão para a próxima terça-feira (4).

Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) respondeu, porém, que não irá se pronunciar. “Como em outros momentos do CPNU, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos não se pronuncia sobre manifestações jurídicas em andamento envolvendo o concurso”. Já a Fundação Cesgranrio respondeu à Rádio Nacional, que por força contratual, todas as demandas de imprensa são concentradas com o MGI.

Demais recomendações

O MPF recomendou, enfim, a suspensão da divulgação dos resultados finais do CNU até que todos os recursos administrativos sejam analisados de forma adequada. O órgão também definiu a reabertura do prazo para recursos aos candidatos.

Além disso, a recomendação inclui o acesso irrestrito aos pareceres e decisões e a garantia de tratamento isonômico para todos os candidatos (respeitando os direitos constitucionais e legais de cada um). “A Cesgranrio não disponibilizou os pareceres motivados aos candidatos não enquadrados nas cotas raciais”, diz o documento.

De acordo com o documento, contudo, todos candidatos que não se enquadraram nas cotas de pessoas pretas e pardas, com a motivação clara das decisões de indeferimento, deverão passar por reavaliação. O procurador federal Nicolao Dino solicita, portanto, a revisão dos procedimentos de heteroidentificação do certame.

Investigação

A investigação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/MPF também identificou atraso na divulgação dos nomes dos avaliadores responsáveis pela heteroidentificação, prevista para 17 de outubro de 2024. A divulgação, contudo, ocorreu em 1º de novembro. Essa etapa consiste na análise dos traços físicos dos candidatos e candidatas que se autodeclaram pretos ou pardos. A procuradoria também aponta que essa avaliação não seguiu o parâmetro estabelecido judicialmente, de que, em caso de dúvida razoável sobre a identidade racial do candidato, deve prevalecer o critério da autodeclaração.

Candidatos

Agência Brasil conversou com candidatos autodeclarados pretos e pardos no Concurso Público Nacional Unificado. O servidor do Inep, Gustavo Amora se inscreveu para as vagas do Bloco temático 4 (de Trabalho e Saúde do Servidor).

Gustavo alcançou a aprovação nas provas objetiva e discursiva do concurso. Porém, na fase de heteroidentificação, recebeu a avaliação da banca da Fundação Cesgranrio como “não enquadrado”. Ele entrou com recurso administrativo e, novamente, recebeu a mesma negativa.

Gustavo recebeu, portanto, com alegria a notícia das recomendações feitas pelo MPF. “Este é um começo apenas do acerto de contas que o MGI tem que fazer com a sociedade brasileira sobre esses abusos todos que foram cometidos no CNU.”

O candidato, que entrou na justiça contra a decisão da banca de heteroidentificação do Cesgranrio e perdeu na primeira instância, agora, tem esperança de que as recomendações sejam consideradas no julgamento do recurso jurídico (agravo) ajuizado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para contestar a decisão anterior.

A assistente social Helena Oliveira Barros concorreu a uma vaga no Bloco 7. Ela afirma ter sido chocante para ela receber esse não enquadramento pela banca de heteroidentificação do certame. “É como se o chão tivesse saído dos meus pés, pois já sofri preconceitos, já vivenciei experiências dolorosas com relação a minha e nunca pensei que depois de 54 anos alguém diria que não sou preta, muito menos parda”, diz.

Saúde Mental

A psicóloga Rosane Romão, analisa a saúde mental de pessoas autodeclaradas negras de todo o Brasil. Rosane se dedica avaliar pessoas que se prepararam e se candidataram para o CNU e que não tiveram o reconhecimento como pessoas negras. Ela é mestra em Administração e doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

A profissional entende que essa negativa pode trazer muitos transtornos psicológicos, psíquicos, emocionais, psicossomáticos, crises de identidade aos candidatos excluídos da cota racial do processo seletivo. “O Estado está dizendo que esse candidato, essa pessoa, não é quem ela é. Que não há veracidade no que ela se autodeclara. Isso é muito sério. No momento em que após muito estudo e dedicação, ela pode alcançar uma posição melhor, esse Estado mais uma vez a impede, agora dizendo que ela não é negra. É desolador.”

Com informações da Agência Brasil.