Músicos itabiranos voltam a cobrar mais espaço em eventos da cidade

Para o grupo, Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade privilegia determinados artistas em detrimento de outros

Músicos itabiranos voltam a cobrar mais espaço em eventos da cidade
Grupo se reuniu, no último domingo, na popular Praça da EEMZA. Foto: Victor Eduardo/DeFato Online
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Há dois meses, relatamos a insatisfação de diversos artistas itabiranos com o critério de contratações feitas pela Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA). E no último domingo (6), o movimento ganhou ainda mais força com uma reunião entre vários músicos da cidade, cujos temas foram justamente a falta de oportunidades para participações em eventos e festivais de Itabira e a dificuldade de acesso à FCCDA, principal responsável pelo setor cultural da cidade.

Embora cerca de dez artistas tenham comparecido ao encontro, o grupo conta com vários outros nomes. Músicos como Natan Ramalho, Leandro Vale, Cleiton Aguiar e Romero Letro também manifestaram apoio ao movimento.

Privilégio?

Um dos principais líderes da mobilização, o vocalista da banda Fourtons, Wurdeivison Novaes, é contundente ao dizer que a Fundação Cultural possui sua própria “panelinha”. Embora tenha se apresentado pela última vez em junho, o músico e seus colegas já chegaram a ficar quase nove meses sem participar de eventos no município.

“Pela Fundação, a gente está inscrito no ‘Cultura Todo Dia’, surge um show uma vez ou outra. O último show que a gente fez foi em junho, na Serra dos Alves. Sem recurso nenhum, tivemos que usar nossos equipamentos para realizar o show. Antes disso, tínhamos tocado em outubro em um evento no Memorial. Mas depois disso houve muitos outros eventos feitos pela Fundação que ficamos de fora. Ficamos de fora da Copa do Mundo, quando algumas bandas foram contratadas para tocar nos bairros…”

E quando surge uma oportunidade, as condições nem sempre são favoráveis. Wurdeivison também compartilha a angústia de não se apresentar em locais mais atrativos de Itabira, hoje dominados por um mesmo grupo, segundo ele.

“Uma coisa que eu também queria levantar é sobre esses shows que eles nos dão oportunidade, mas colocam a gente na área rural. Temos vontade de nos apresentar na Praça do Areão ou Paredão, e não temos oportunidade, porque já tem aquela mesma banda para tocar nesses lugares. Às vezes mudam só os cantores, mas a banda é sempre a mesma”

“É aquela coisa, um público que vai ter na Praça do Areão, na Serra dos Alves não vai ter. Não é todo mundo que sai da cidade para ir na área rural para um evento. Aqui no Paredão a gente vê que sempre que tem show enche, mas nessas oportunidades a gente é jogado para escanteio”.

Como exemplo da diversidade de oportunidades buscada por ele e outros artistas, o vocalista cita São Gonçalo do Rio Abaixo. Para Wurdeivison, o município vizinho é muito mais justo com a cultura local em comparação a Itabira.

“Em São Gonçalo do Rio Abaixo, eu tenho contato com o pessoal da Fundação Cultural de lá, e todos os eventos que tem em São Gonçalo as bandas da cidade tem oportunidade, Eles fazem a abertura da Exposição, no Festival de Inverno que teve agora todas as bandas da cidade tocaram lá. Mas aqui em Itabira, como te falei, é sempre uma banda, só muda os cantores”.

músicos
Foto: Divulgação

Quem manda?

Utilizando-se de uma ironia, o violonista e cantor Clever Paulo é outro a endossar o coro. À DeFato, o músico diz ter interesse em saber quem é o chefe da FCCDA, já que ela, em sua opinião, age como um órgão privado.

“Qual é a vontade que eu tenho? É conseguir acesso para falar com o dono da Fundação Cultural. Até argumentam comigo que a Fundação Cultural é uma entidade pública, não é um órgão privado. Sim, eu entendo que ela recebe recursos do Governo, mas ela trabalha de uma forma que dá a entender que é uma empresa privada. Ela não fomenta tanto quanto deveria. A Fundação tem na instituição dela, que foi em 1985, que seu objetivo principal é fomentar e incentivar a cultura local. Viajo para mais de 50 cidades hoje, levando propostas, e nestes outros lugares participo de editais, credenciamentos, e aqui em Itabira ele funciona de uma forma um pouco diferente. Sem que a gente consiga tanto o acesso para aquilo, (edital) montado às vezes até para dificultar, em vez de facilitar para o artista.

Para o artista ipoemense, há sete anos em carreira solo, a entidade pouco entrega à cena local. “Qual o valor que é colocado à disposição da Fundação Cultural durante o ano para todas as etapas, como contratações de shows e fomentação dos eventos? E qual o resultado que está dando para o artista itabirano? Então essa pergunta eu acho que identifica essa dúvida minha, quanto à Fundação Cultural ter um dono. E minha intenção é saber quem é o dono, para que eu possa procurar e perguntar a ele o que eu preciso fazer para conseguir colocar meu trabalho em Itabira”.

Burocracia que atrapalha

Angústia parecida é compartilhada pela cantora Clau Vianna. À reportagem, ela narra um episódio vivido por vários membros do grupo: a eterna reprovação dos documentos entregues à Fundação para participação em eventos. Segundo a itabirana, eles são vítimas de um “descaso” direcionado.

“Sinto isso (falta de incentivo) não só nesta gestão, mas também nas passadas. Mas nessa a gente está tendo muito mais dificuldade de acesso. Além disso, também consigo perceber uma negligência deles em nos atender. Por exemplo, consegui enviar minhas propostas, que foram desclassificadas por falta de documentação que eles nem fizeram questão de abrir e verificar. E aí encaminhei um e-mail para eles mostrando que a documentação havia sido mandada, não tive retorno e continuei desclassificada. É um descaso, e eles selecionaram as pessoas que eles querem fazer esse descaso. Acho que a gente precisa ter pelo menos esse retorno e saber como o processo está funcionando, o que precisamos fazer para ter esse acesso?”

“Uma coisa que eles falam muito é que não mandamos nossas propostas e não procuramos eles. Nós mandamos nossas propostas e procuramos eles, sim. A gente que realmente não está tendo acesso a isso, não está chegando para nós”. 

Para Clau, os elogios feitos por parte da sociedade itabirana ao Governo Municipal no que diz respeito à condução da cultura são descabidos. Ela opina que outros setores, não só a música, sofrem com o trabalho feito no município.

“Eu não enxergo dessa forma não. Fiquei seis anos fora de Itabira, estou retornando agora de Conceição do Mato Dentro, e em Conceição tem eventos o ano inteiro. Lá tem o Mercado Municipal, que abre aos sábados com música ao vivo para os artesãos. Aquela senhorinha que tá lá no mato, ela planta e vende as verduras dela. Aqui não tem essas oportunidades. Nós, da classe musical, não podemos falar só da gente. Eu tenho amigos que fazem parte da dança e não tem oportunidades. E para eles é mais difícil, porque não tem o que fazer aqui, você não vê uma praça aberta em que aos sábados vai ter apresentações musicais, com barraqueiros vendendo suas coisas. Isso não acontece em Itabira!”

Falta de transparência

Outro a integrar a banda Fourtons, Paulo Henrique relembra quando o grupo, assim como Clau, chegou a ser desclassificado de um processo por uma suposta “falta de documentação”. Porém, por meio de um recurso, a classificação no edital do Festival de Inverno foi garantida. Ainda assim, ele não deixa de reconhecer a burocracia exagerada.

“De fato, os editais são um pouco complexos e uma vírgula que você errar, você acaba sendo desclassificado. No nosso caso, esse ano a gente enviou documentação para o Festival de Inverno, falando pela banda Fourtons, e inicialmente havíamos sido desclassificados pela falta de documentação. Mas na verdade a gente tinha disponibilizado toda a documentação, entramos com recurso e fomos aprovados. Mas percebemos que é bem burocrático”.

E qual seria a solução? De acordo com Ronan Fabrício da Silva, o ‘‘Barbazul”, cabe à Fundação desburocratizar seus editais, disponibilizando, inclusive, uma equipe voltada a isso. “Já foi falado em desburocratizar o edital aqui de Itabira, mas isso nunca acontece. Muitas pessoas pagam alguém que tem mais conhecimento técnico para se inscrever no edital. Às vezes paga R$ 300 para alguém se inscrever no edital, manda (os documentos) e não passa. Se a Fundação ajudasse, talvez se ela mesmo tivesse um órgão lá dentro, eles mesmos fariam a inscrição dos artistas para facilitar. Mas isso, até então, não tem”.

Outro a participar do encontro de domingo, Adair José também já passou por dificuldades na tentativa de expor seu trabalho aos itabiranos. Na visão dele, depender apenas da FCCDA é uma missão complicada.

“Me pediram um portfólio, não serviu. Mandei outro, avaliaram e também não passou. Até então, consegui a ajuda de um amigo e este passou. Só que aí me enviaram um link e por ele eu não conseguia me inscrever. E como sou ‘meio quente’, não quis procurar mais, porque uma pessoa lá (na Fundação) me falou que não estava certo, que eu tinha que preencher corretamente. E eu vi que estava correto e que eu tinha preenchido. Se a gente depender só de pessoas que estão lá, não conseguimos. Temos que procurar por uma ajuda diferente”.

A situação é tão recorrente que outros artistas deixam de se inscrever por saber das remotas possibilidades de serem selecionados. É o caso do baterista Ismael Carlos, há dez anos tocando na noite itabirana.

“Não me inscrevi justamente por ouvir muito isso. De ouvir de amigos músicos que já mandaram projetos várias vezes e foram rejeitados, falando que era por falta de documentação e às vezes não é. Então não mandei por medo de enviar e acabar não sendo contratado por algo que não tem explicação plausível para isso”.

O outro lado

Procurado pela reportagem, o superintendente da FCCDA, Marcos Alcântara, se defendeu das acusações, afirmando que a entidade oferece espaço para os músicos locais. Segundo ele, é natural que todos os setores artísticos queiram participar deste momento de “efervescência” cultural da cidade.

Alcântara também garante que as exigências burocráticas, tão criticadas pelo movimento, são impostas por uma lei federal. Confira, logo abaixo, a resposta completa do superintendente da Fundação.

Primeiro, a Fundação Cultural Carlos Drummond Andrade deixa claro que entende a ansiedade e a vontade de participar dos artistas itabiranos. O setor cultural esteve adormecido em Itabira nos últimos anos e é mais do que natural que a atual efervescência experimentada no município seja acompanhada desse movimento de discussão e debate em torno da participação dos artistas locais. 

E, sim, os espaços estão sendo ocupados pelos talentos da cidade. Desde o início da atual gestão, a FCCDA já formalizou a contratação de aproximadamente 200 artistas diferentes, de vertentes variadas, nos mais diversos eventos realizados, seja pela própria Fundação ou na qual a entidade foi parceira. Desde 2021, o Edital Cultura Todo Dia, por exemplo, já promoveu mais de 150 apresentações, com 800 profissionais envolvidos, entre os próprios artistas e demais prestadores de serviço. 

Todas as contratações executadas pela FCCDA são avalizadas por uma curadoria independente, que avalia as propostas encaminhadas pelos interessados. É fundamental esclarecer, porém, que as ofertas precisam sempre estar em consonância com o propósito de qualquer evento.

É preciso ressaltar também que as exigências burocráticas citadas pelos artistas são impostas pela Lei Federal 8.666/93, que rege todas as licitações e contratações públicas. A Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade segue rigorosamente todos os pressupostos da legislação, que incluem as documentações que devem ser apresentadas pelos contratados. 

A Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade entende a complexidade e, por isso mesmo, mantém o Centro de Referência de Atendimento ao Artista (Criar), para instruir e tirar dúvidas dos proponentes. A entidade, inclusive, firmou parceria com a Unifei, que oferece monitores para capacitar, atender e orientar os artistas nas questões documentais. 

A FCCDA está à disposição dos artistas itabiranos para qualquer esclarecimento adicional sobre contratações, editais e realização de eventos.