O apoio em meio ao caos: a chácara do Senhor João amparou vítimas da Ponte Torta
O morador tem a residência a poucos metros do palco de acidentes recentes
João Raimundo Fernandes mora há muitos anos praticamente debaixo da Ponte Torta, localizada entre Bela Vista de Minas e João Monlevade, palco recente de duas tragédias. A “Chácara dos Arcanjos” como é alcunhada a residência dele, foi a válvula de escape para primeiros socorros das vítimas envolvidas no acidente envolvendo um ônibus com 48 passageiros, da empresa Localima, no dia 4 de dezembro. E, por último, o caminhão com quatro pessoas que também caiu da Ponte Torta.
Sempre solícito, amigável e formidável, senhor João abriu as portas da casa para receber todos, mesmo sequer sem ter visto quase ninguém que estava ali durante a vida. O ponto de apoio, de alimentação, ligações, internet wi-fi, e o principal, carinho e tentativa de “conforto” em meio ao caos instalado.
Drama
Senhor João relatou que sempre fez tudo de coração e nunca pensou em nada em troca, nem sequer reconhecimento.
“Eu fiz o que tinha que ser feito, nada além disso. No primeiro acidente envolvendo o ônibus foi muito triste. Eu o vi cair da ponte, por volta de 13h09, não dava para acreditar. Minutos depois um monte de passageiros vieram em minha direção, ensanguentados, gritando por socorro e desesperados. Minha chácara então virou a casa deles, o ponto de apoio. É o mínimo que poderia fazer”, ressaltou.
Todavia, ele tem o sentimento de que poderia ter feito algo mais. Segundo João, a sensação que fica é de que “sempre falta algo, porque eu vi pessoas perder familiares, machucadas e mortas, é muito triste”. Além disso, todas as autoridades competentes de resgate foram avisadas primeiramente por João.
Infelizmente
O morador e conhecedor da região diz que não deve ser o último acidente caso mudanças não sejam feitas na Ponte Torta. De acordo com João, a ponte não é protejada para tanto peso de veículos que transitam na rodovia diariamente, além de ter bastante tempo desde a construção. Ademais, a “Rodovia da Morte” tem as proteções na Ponte muito frágeis, vindo a quebrar facilmente com o impacto dos veículos, que posteriormente caíram a mais de 20 metros de altura.
Empatia
Mesmo tendo feito o que diversas pessoas não fariam, envolver diretamente a vida dele no acidente e misturar o emocional afetivo com seres que nunca tinha sequer visto, João ressalta que o vazio é um sentimento que existe pós acidentes.
“Eu não esquecerei jamais tudo o que passei nesses dois acidentes, é algo inacreditável. A sensação não é de dever cumprido, mesmo sabendo que dei o meu máximo. Eu tentei me ignorar para dar o melhor ao próximo, desde o início. A minha casa virou ponto comum entre imprensa, famílias, vítimas e empresas envolvidas. Lá todos sentavam para almoçar, hidratar, chorar, rezar, entre outras coisas. Sou grato por ter conseguido ajudar de alguma forma”, finaliza.
Relembre os acidentes
No dia 4 de dezembro, um ônibus da empresa LocaLima, que transportava 48 pessoas, saiu de Alagoas com destino à São Paulo. Em João Monlevade, o veículo teria apresentado problemas no sistema de freio e ficou desgovernado. Após um trecho de longa descida, o ônibus acessou a ponte, perdeu a velocidade e voltou de ré caindo de uma altura de aproximadamente 23 metros. Na ocasião, 19 pessoas perderam a vida e outras 25 ficaram feridas.
Quase 40 dias após, na tarde de quarta-feira, do dia 13 de janeiro, um caminhão caiu da Ponte Torta, na altura do km 350 da BR-381. Na ocasião, o caminhão que tinha quatro pessoas a bordo caiu no Rio Piracicaba, vindo todas a óbito. O trabalho do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMMG) foi árduo e muito trabalhoso. Somente quatro dias após buscas e tentativas, o caminhão conseguiu ser retirado da água turva e lamacenta.