O exótico protagonismo da Justiça bananeira: o que médicos têm a ver com juízes?
Confira o novo texto do colunista Fernando Silva
Magistrados conservam importância fundamental no ordenamento jurídico. Esses atores são uma espécie de médicos da legalidade. Atuam na preservação da vida social do cidadão – de bem ou de mal. A turma de jaleco branco, por sua vez, luta pela manutenção da integridade física dos pacientes.
Os clínicos tentam – o máximo possível – evitar a morte dos seus semelhantes. Já os “capas pretas” pragmaticamente procuram separar o joio do trigo. Os indivíduos de boa índole conservam a liberdade e continuam perambulando por aí. Os maus “elementos” encontram na reclusão a possiblidade de regeneração.
Há, entretanto, uma diferença comportamental nessas duas categorias. Os profissionais da saúde precisam se mostrar. É necessário. A presença dos “doutores” deixa no ar uma sensação de bem-estar. Dos meritíssimos, no entanto, exige-se previdente discrição. Enfim, os senhores (e as senhoras) do estetoscópio extirpam tumores patológicos. As mulheres (e os homens) da toga alijam os cancros malignos do tecido social. E ponto. Acaba aqui a esdrúxula comparação.
O filósofo francês Montesquieu (Charles-Louis de Secondat) desenvolveu a teoria da separação e interdependência entre os três poderes – o sistema de freios e contrapesos. A tripartição mantém o equilíbrio institucional no Estado Democrático de Direito. Mas, independentemente da boa vontade do pensador europeu, prevalece uma natural discrepância. Nas democracias modernas, o fiel da balança pende para o Legislativo.
Um exemplo natural esclarece essa constatação prática: os vereadores de uma “cidadezinha qualquer” podem botar o prefeito para correr. A recíproca, porém, nunca é verdadeira. Não há mão dupla nessa história. Um chefe do Executivo municipal não dispõe de meios legais para se livrar de um vereador “inconveniente”. A melhor forma de se remover essa possível “pedra no meio do caminho” é a coalizão, uma jabuticaba tupiniquim, ou a famosa estratégia do famoso toma lá, dá cá. A prática maquiavélica propicia uma pacificação no relacionamento entre Executivo e Legislativo.
Mas, como fica o judiciário nesse sistema? A Justiça não passa de mera ferramenta garantidora das leis. É a instituição responsável pelo funcionamento legal do arcabouço estatal. Apenas isso, nada mais. Mas essa lógica saiu literalmente dos trilhos no Brasil. Os meritíssimos tapuias abandonaram a necessária e suficiente compostura para o exercício do cargo.
O grande responsável por essa aberração institucional foi o ex-juiz Sergio Moro. O popular Marreco fez da operação Lava Jato um trampolim para o poder. E tudo descambou a partir daí. Moro e seus afetados parceiros da chamada república de Curitiba desvirtuaram uma interessante ferramenta de combate à corrupção. E, com efeito, transformaram a Constituição brasileira numa mera publicação do talentoso Carlos Zéfiro. O “livrão” virou livrinho de sacanagens.
Alguns acontecimentos recentes demonstraram essa podridão no reino dos papagaios. No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão de Ivan Rejane, um tosco aparício de BH. Esse sujeito despirocado ameaçou de morte os ministros da corte e o ex-presidente Lula da Silva. Fez uma festa macabra nas redes sociais. Acabou devidamente enjaulado. Tudo bem. Mereceu pagar o pato.
Mas tem um, porém, contudo e, todavia. A espetaculosa atitude do careca maior da República atropelou prerrogativas de juízes das alçadas inferiores. Com uma só canetada, Moraes deu cartão vermelho para titulares da primeira e segunda instâncias. E, como se vê, até no interior do judiciário não existe o devido equilíbrio funcional. Data vênia.
E a bizarrice atingiu o cúmulo na semana atrasada. Jair Bolsonaro pretendia indicar Ney Bello Filho para uma vaga no STJ. Esse jurista coleciona um histórico de desavenças com o ministro Kassio Nunes Marques – aquele que mata no peito as bolas que o Palácio do Planalto lança na área do STF. Nunes Marques, como bom nordestino, ficou avexado com a preferência de Bolsonaro pelo seu desafeto e mandou imaginável recado patético para o ex-capitão: “olhe aqui, cabra da peste! Se a escolha for essa, não conte mais com os meus préstimos. Estou fora do seu jogo”. E, pasmem! Bolsonaro teria afinado e tirou outro nome da cartola. A cadeira, agora, será ocupada por Messod Azulay Neto.
O recuo presidencial foi um absurdo. A possível pressão de Kassio tornou-se uma afronta inaceitável, até mesmo para os padrões bananeiros. Segundo Wálter Maierovitch – desembargador aposentado e colunista do UOL – a ousadia de Nunes é motivo para abertura de um processo de impeachment (contra o excêntrico magistrado, claro). A que ponto chegamos? O final.