O fenômeno Marco Antônio Lage

Quem é mais fenomenal? O prefeito eleito ou o povo de Itabira?  O eleitor do Mato Dentro é indecifrável buraco negro. Impossível identificar previamente o que aflorará do precipício cósmico das urnas

O fenômeno Marco Antônio Lage
Foto: Divulgação/Filipe Augusto
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Marco Antônio Lage executou um dos doze trabalhos de Hércules. Depois de enfadonho processo eleitoral, o socialista triunfou com a marca extraordinária de 76% dos votos válidos. Uma mega balaiada. E fica aqui a dúvida. Quem é mais fenomenal? O prefeito eleito ou o povo de Itabira?  O eleitor do Mato Dentro é indecifrável buraco negro. Impossível identificar previamente o que aflorará do precipício cósmico das urnas.

Os conterrâneos do Poeta Maior sempre exibiram marcante característica no exercício do voto: a ânsia de mudança. A vida toda foi assim.  Pouco importa a performance de um grupo  no exercício do poder. No momento da avaliação definitiva, o “hasta la vista, baby” prevalece. Antes da implantação do instituto da reeleição, os chefes do Executivo daqui não conseguiam emplacar o sucessor. Há raríssimas exceções.

Dois exemplos ilustram essa narrativa. O “véio” Luiz Menezes foi um político carismático. O seu governo implementou interessantes iniciativas populistas. Menezes sugeriu Cácio Duarte Guerra para sucedê-lo. A maioria dos itabiranos não concordou e optou por Olímpio Pires Guerra (popular Li). O pedetista assumiu com propostas inovadoras e deixou a prefeitura com aprovação superior a 80%. Diante desse panorama positivo, imaginava-se que as suas ações teriam prosseguimento. Mas, não. A síndrome da mudança deu as caras. Consequência.   O médico Leopoldo de Melo Castro — o escolhido de Olímpio — não subiu ao Olimpo. Acabou derrotado por Jackson Tavares.

O petista chegou ao terceiro andar do paço municipal com promissoras expectativas, mas teve sérias dificuldades no relacionamento com a imprensa e o Legislativo.  O progressista, no entanto, recuperou a competividade e entrou na disputa do ano 2000 com amplo favoritismo. Na ocasião, a reeleição já era moda no Brasil. Tavares começou a campanha com 58% da preferência do eleitorado. Um percentual surpreendente. O seu principal antagonista — Ronaldo Lage Magalhães —  contava com apenas 7%. Faltavam quatro meses para o último pleito do século XX. A fatura parecia liquidada. O “companheiro” comemorou antecipadamente. O caminho para o sucesso encontrava-se bem pavimentado. Até que pintou no pedaço o fantasma da mudança. E o “improvável” aconteceu. Ronaldo superou a abissal vantagem de 51% e consagrou-se com microscópica diferença de 650 votos.

A proeza não acabou neste ponto. Magalhães poderia ter tentado um novo mandato, contudo, problemas de saúde impediram esse objetivo. O vice-prefeito João Izael pegou o boi pelos chifres. Na época, o marketing se antecipou à razão e desmontou a enraizada aversão à continuidade. A peça publicitária vendeu a ideia de que “a melhor mudança é João”. E Izael venceu. Impressionante! A massa não percebeu que a tão sonhada transformação se daria por meio de dissimulada continuação. João dirigiu os destinos do município duas vezes consecutivas.

E, agora? Como explicar a acachapante vitória de Marco Lage? Acaso, a população abandonou o vício da mudança. Não parece. Este “modo de ser” faz parte do imaginário da pólis. Uma ideia fixa não acaba da noite para o dia. O itabirano queria alternância mais uma vez. Mas, veja bem. Qualquer desejo necessita ferramentas adequadas para a sua realização. Marco Lage é um novo ator no establishment local. Já os seus principais adversários colecionam passagens pelo poder. João Izael foi vice-prefeito e também chefe do Executivo durante oito anos. Neidson de Freitas frequenta os gabinetes da Câmara há quase duas décadas. Como fazer mudança com essa configuração? Qual o instrumento para esse fim? A escolha ficou fácil para os eternos descontentes. Mesmo com um mandato nas costas, as circunstâncias transformaram Marco na única possiblidade de “mudança”. Foi a coerência na incoerência.

E por que o ilustre ipoemense é um fenômeno? Elementar, meu caro Watson. Sair do sufrágio com escandalosos 76% dos votos é uma façanha e tanto. Ainda mais porque Itabira tem um histórico de eleições acirradas. O triunfo de Wilson Soares sobre Jody Machado por apenas quatro votos — na década de 1960 — ilustra muito bem essa nítida percepção.

P.S.1: O médico Damon Lázaro de Sena foi fenômeno na chegada e na saída. Elegeu-se prefeito com o maior percentual da história da cidade até então. O candidato do PV conquistou 70,4% dos votos. Em quatro anos, esse invejável capital eleitoral virou pó. Damon tentou a reeleição, mas foi atropelado por um caminhão de mudanças. Teve um desempenho pífio nas urnas. Sena saiu de cena melancolicamente. A sua votação não seria suficiente para eleger vereador. Que fenômeno!

P.S.2: João Izael é a maior decepção de 2024. O popular “padeiro” ocupou o cargo de vice-prefeito e se destacou como o primeiro chefe do Executivo reeleito da história do município. E mais. Foi o principal apoiador de Marco Antônio Lage há quatro anos. Então, esperava-se uma participação mais eficiente no pleito deste ano. Não funcionou. O resultado foi inexpressivo. E mais. O ex-prefeito virou involuntária muleta para o prefeito recém-eleito. De novo!

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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