O mais duro recado da Covid-19: “corpos têm prazo de validade e cemitérios não passam de lixões”
Confira o novo texto do colunista Fernando Silva!
A Covid- 19 faz turismo pelos quatro cantos do planeta. É um giro avassalador. Por onde passa, o macabro viajante deixa incontáveis pilhas de cadáveres. Urnas funerárias e covas rasas viraram figurinhas fáceis nas páginas e telinhas da mídia global. A morte está banalizada. Ninguém liga mais para a temível “dama de negro”.
A voracidade do coronavírus não tem limites. E, atenção: o novo mal da humanidade não é misógino, homofóbico ou racista, mas discricionário. Não poupa ninguém. Qualquer pessoa- em algum momento- pode receber sete palmos de terra. Esse diminuto espaço é uma singela doação do misterioso vírus.
E todos estão numa fila de prováveis “beneficiários” do loteamento soturno: milionários do Alphaville, miseráveis da periferia, jovens, adultos, velhos, crianças, santos e bandidos. O sinistro “coisa ruim” não discrimina nada. Consequência do sombrio passeio: o pânico toma conta desse mísero “asteroide” metido a planeta.
Impossível garantir quando a pandemia acabará. Afinal, nada é definitivo nessa tragédia universal. A quantidade de ondas no horizonte do mar de defuntos não tem limites. O novo coronavírus tem método. A sua ação obedece a clara lógica. A Covid-19 distribui mensagens subliminares a granel. E aqui está o mais perturbador dos recados: “corpos não valem nada e cemitérios não passam de lixões”.
Com efeito. Todo o mundo nasce com prazo de validade. O “código de barras” revelador está na testa de cada um. Logo, a morte é a única certeza na vida. Entramos em cena para cumprir missão específica, com tempo determinado. O corpo humano é simples acessório para intervenções no espaço material. Ossos, peles e órgãos têm função bastante específica na complexa interação. O mais importante, porém, é a substância interior: espírito, alma ou energia vital. Denomine essa “essência” da forma que melhor convir. Ela há e predomina.
O corpo – que degrada com imensa facilidade- lança fétidos odores no ar, quando mal cuidado. Haja frascos de perfumes para diluir o desconforto. A falta de esmero com a higiene empesta o meio ambiente. A estrutura dos animais é menos deletéria. O gato ou cão podem ficar um mês sem banhos. A carência de água não provoca repelência. Agora, tente manter-se nas proximidades de um humano que aboliu o chuveiro por dez dias. O miasma denunciará a presença do malcheiroso a 100 metros de distância.
Os cemitérios recebem a absurda denominação de “campo-santo”. Aí está mais uma inominável besteira. Aqueles territórios lúgubres abrigam os restos de indivíduos da mais elevada estatura humana. É verdade. Mas, ali, também, “repousam” traficantes, corruptos, genocidas, pedófilos e demais escórias da sociedade. Esses depósitos de esqueletos nada têm de sagrado. São apenas lixões com um efeito prático irremediável: às vezes, contaminam gravemente o lençol freático. As necrópoles, portanto, cometem sérios atentados ao meio ambiente.
O coronavírus praticamente suprimiu os velórios. Essa dura realidade bate forte na hipócrita sociedade, pois demonstra a inutilidade de se lamuriar defronte carcaças prestes a se decompor. E nada será como antes.
Mas, e aí? Não se deve reverenciar entes queridos finados? Claro que sim. Essa empatia é uma obrigação moral. O luto é uma atitude nobre em qualquer sociedade. Existem várias formas para homenagear aquele que se desembarcou na última estação (o ponto derradeiro): orações, reuniões fraternas, declamações, velhas fotografias e cânticos. A memória, então, é um abrigo inviolável para o “amor perdido”.
Nada a ver, portanto, com a constrangedora exposição de uma pálida massa inerte dentro de um frio esquife. A explosão de inconsistentes alaridos piora ainda mais a degradante imagem. O teatro das carpideiras soaria melhor. Pelo menos, o desempenho dessas “inconsoláveis” mulheres tem um quê de talento artístico.
Só para refletir: a estrutura física perece, mas a alma é perene. A recomendação da Covid-19 é muito dura para índoles mais suscetíveis: “livrem-se imediatamente das imundícies sem vida”. Corpos mortos valem tanto quanto os vermes que os devorarão impiedosamente, logo mais. Nada valem. A cremação é a solução final. Tudo acaba em cinzas.
PS: Detesto velórios. Sinto imensa ojeriza a isso. Não vou a nenhum. Terei, inclusive, muitas dificuldades em comparecer ao meu.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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