O presidente Lula tem um encontro marcado com a sua biografia
Talvez seja o instante ideal para encerrar a carreira como os grandes ídolos do esporte bretão: por cima, em boa fase técnica. O mais impactante é sair de campo, deixando suave saudade no imaginário popular

A pesquisa Genial/Quaest divulgada em 2/4 não trouxe boas notícias para o Governo Lula. Pelo contrário. O levantamento é motivo de muita preocupação. O resultado deixou no ar um cheiro de fim de feira. A metade dos entrevistados (53%) avalia a gestão atual pior que as duas anteriores do lulopetismo (2003/2011). A revelação a seguir causou calafrios no universo progressista: 43% da população consideram o Governo Bolsonaro (2019/2022)) melhor que o novo mandarinato do PT. E o festival de maus presságios não termina neste ponto. Um total de 63% dos brasileiros suplica “carinhosamente” para que Lula não participe do pleito de 2026.
A próxima eleição ainda será disputada sob o nefasto signo da polarização. Veja bem. A esquerda, em tese, toca samba de uma nota só. Ou seja. Conta apenas com a peça Luiz Inácio Lula da Silva no tabuleiro do arranca-rabo. A direita, ao contrário, é balaio com diversos gatos de olho no poder. Esse assanhamento tem uma justificativa prática: ninguém, em sã consciência, acredita na reversão da inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Caso persista a decisão do TSE, o Mito apelará para uma receita literalmente caseira: tentará bancar a candidatura a presidente do filho Eduardo ou da “do lar”, Michelle.
O momento de Lula não é nenhum mar da tranquilidade. O panorama está mais para mundo da Lua. As chances de triunfo são remotas. Claro, “se” a votação fosse hoje. Mas o “se” nunca foi situação incondicional na política. Neste cenário, o grão-duque petista pode ser considerado uma carta fora do baralho? Esta percepção é precipitada. Por motivo básico. O “Sapo Barbudo” é um monumento à resiliência. A trajetória de vida do cidadão de Garanhuns (PE) é permeada pelo mito da fênix. Em várias oportunidades, o “companheiro” maior renasceu das próprias cinzas.
No início de tudo, lá na década de 1950, um menino analfabeto e desnutrido entrou na carroceria de desnorteado caminhão “pau de arara” em companhia da sua maltrapilha família. Os miseráveis nordestinos percorreram 2.410 quilômetros (ou 33 horas de viagem) até alcançar a grande megalópole da América Latina. O “menino mais novo” quase perdeu a vida precocemente de tão seca era a vida. O jovem retirante, no entanto, sobreviveu e, muito tempo depois, se aventurou no movimento sindical, em plena ditadura militar. E foi longe demais. “Nunca na história deste país” apareceu um líder trabalhista tão exponencial.
Próximo passo. Migrou para a política partidária e até arrumou uma legenda para chamar de sua (o PT). E tome ousadia. Um dia, montou numa vistosa bandeira vermelha e planejou invadir a capital federal. Levou três consecutivas surras nas urnas. Parecia fadado a se transformar em mais uma figura do anedotário político tupiniquim. O sujeito, contudo, é dono de dura cabeça chata. Jamais desistiu do aparente inalcançável objetivo. Insistiu tanto que, na quarta investida, subiu a rampa do mais cobiçado palácio da nação.
Fez horroroso primeiro mandato e foi consumido por pavoroso caso de corrupção. O Mensalão quase botou um trágico ponto final no cordel. O esquerdista, todavia, conseguiu se safar de iminente impeachment nos acréscimos do segundo tempo. Os adversários deram bobeira e o homem ressuscitou. Lula superou o imenso mar de lama e foi reeleito. Fez bom segundo mandato e até inventou improvável sucessora: Dilma Rousseff, a ministra da Casa Civil.
A incrível odisseia não acaba aqui. O ex- torneiro mecânico aprecia superlativos. Já distante do Planalto Central, foi devorado pelo monstro “Petrolão”. Consequência trágica. Viveu num presídio durante “infindáveis” 580 dias. E aí bateu de novo a tal resiliência. O velho dirigente saiu da masmorra e foi morar outra vez no Palácio da Alvorada.
E agora? Entrará no embate eleitoral de 2026? A resposta é de foro íntimo. Mas tem um problema. O marido de Janja precisará exorcizar dois demônios da competividade eleitoreira: a péssima tendência das pesquisas de opinião e a idade avançada. Luiz Inácio completará oito décadas de existência bem no clímax do jogo (27 de outubro). Nesta ocasião, a perigosa síndrome de Biden flutuará ameaçadoramente sobre o ambiente.
O chefe do Executivo nacional sempre usou e abusou de metáforas do futebol. Talvez seja o instante ideal para encerrar a carreira como os grandes ídolos do esporte bretão: por cima, em boa fase técnica. O mais impactante é sair de campo, deixando suave saudade no imaginário popular. Fechar tão brilhante saga com acachapante derrota não seria bom tom para os compêndios da posteridade. É hora de intensa reflexão. Em breve, Lula e sua biografia terão o inevitável encontro marcado. Uma boa ideia é deixar a ribalta com a dignidade de um Pepe Mujica, por exemplo. Mas, a resiliência permite?
Sobre o colunista
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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