O projeto “Meninar” promove inclusão pedagógica e artística para crianças em condição de vulnerabilidade social
A estrutura, que conta com a participação de cinco professores devidamente remunerados, é bancada com verbas do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
E tudo começou com contação de histórias na Vila Paciência
O projeto Meninar surgiu de forma muito espontânea, em 2009, no bairro Vila Paciência. Naquela ocasião, um quadro de vulnerabilidade social chamou a atenção da pedagoga Martha Mousinho, moradora da localidade. Um casal saía todas as manhãs para trabalhar e cinco filhas, com idades entre quatro e dez anos, permaneciam praticamente sozinhas. As irmãs brincavam nas ruas o dia inteiro. Aquele cenário deixou a vizinha Martha apreensiva. Tanto que ela teve uma ideia para, pelo menos, amenizar o problema. Reuniu as crianças na pracinha Fábio Pires para contar histórias. A atitude deu certo e virou rotina matinal.
Na mesma região, a professora Marlene Duarte lecionava disciplinas de reforço escolar para carentes em uma infraestrutura bastante precária. As duas educadoras se uniram e conseguiram a doação de carteiras, caixas de giz, quadro negro, cadernos e outras mobílias. Pouco depois, decidiram atender menores socialmente expostos de outras regiões da cidade. A princípio, improvisaram uma sala de aula num cômodo da quadra esportiva do Ivipa Atlético Clube, nas proximidades do Hospital Nossa Senhora das Dores. “Nesse espaço, contávamos histórias e ensinávamos o básico. Tudo isso gratuitamente”, relembra Martha Mousinho. O Projeto Meninar foi criado, a partir dessa ideia pioneira, em 2009. Atualmente, a entidade tem estatuto próprio, CNPJ e título de utilidade pública. A estrutura, que conta com a participação de cinco professores devidamente remunerados, é bancada com verbas do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e tem apoio de amigos e familiares dos dirigentes da instituição.
A ideia original se expandiu muito rapidamente e passou a contemplar meninos e meninas de vários pontos de Itabira. “A área do Ivipa ficou pequena. Aí, tivemos que dividir as classes em dois períodos: das 8 às 11 horas e das 14h às 17 horas. Eram 20 alunos em cada turno”, destaca Martha. Outra estratégia educacional funcionou muito bem. Os estudantes levavam uma “Mala de Livros” para casa. “Essa mala continha livros infantis e adultos. O objetivo dessa ferramenta didática era incentivar a leitura, tanto para os pais quanto para as crianças. Por isso, a Mala era formada por uma mescla de publicações infantis e literaturas adultas”, ressalta Mousinho.
E o projeto cresceu tanto que possibilitou a abertura de uma filial no bairro Fênix. Ali, aconteceu uma iniciativa artística relevante: o professor Marcelo Hautequeste criou um coro infantil. O conjunto fez muito sucesso e foi atração em algumas edições do Festival de Inverno. As cantoras Sabrina Frois e Raiane Silva foram reveladas pelo “Coral Meninar”. Raiane ainda é violoncelista e artista plástica. A participação em dois shows de Marcus Viana se transformou numa performance histórica do grupo musical. “Foi incrível! O músico ouviu os pequenos e se encantou. Então, pediu a presença deles em dois espetáculos aqui em Itabira. Foi uma passagem emocionante, muito maravilhosa”, reconhece Mousinho.
Meninar e “A Educação do Ser Poético”
“Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? ” A reflexão de Carlos Drummond de Andrade- na abertura da crônica “A educação do ser poético”- foi a inspiração para outra vertente do Projeto Meninar.
O projeto funciona em dois locais com atividades distintas. Na Vila Paciência, de segunda-feira a quinta-feira-das 8 às 11 horas e das 14h às 17 horas- continua com as ofertas tradicionais de leituras de histórias e reforço didático. Trinta jovens frequentam a escolinha. Mas tem atraente novidade na praça: artes circenses para um público a partir de dez anos de idade. Essa interação cultural, ao ar livre, é coordenada pelo professor colombiano Diego Fernando Goza Granja. Três garotos aprendem as habilidades do picadeiro. O outro modelo do Meninar ocorre na Fazenda do Pontal nas manhãs de sábados. “A Educação do Ser Poeta” oferece cursos de teatro, dança, música e capoeira para pessoas de cinco a dezoito anos.
A alma circense do professor Diego Granja
O colombiano Diego Fernando Goza Granja (31) vive em Itabira há seis anos. A sua identificação com a arte circense começou aos 16 anos de idade em Bogotá. O adolescente se encantou com as habilidades dos profissionais circenses, que encenavam nas ruas da capital da nação andina. Diego juntou-se a esse grupo e nunca mais deixou a arte do picadeiro. Durante alguns anos, se apresentou no seu país, Equador e Peru. O passo adiante foi o Brasil. A caminhada brasileira começou na região Norte, passou pelo Nordeste e chegou ao Sudeste, mais precisamente Ipatinga. A aventura posterior foi Itabira, onde fixou residência. No início da sua trajetória em solo itabirano, o artista se exibia no sinal de trânsito da esquina da rua São José com avenida João Pinheiro. Outro palco foi o semáforo ao lado da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. As performances eram recompensadas com espontâneas contribuições financeiras de motoristas e pedestres.
Na entrevista a seguir, Diego fala da atuação na terra do Poeta Maior, detalha a participação no projeto Meninar e faz projeções para o futuro.
Na Colômbia, você desenvolvia outras atividades profissionais ou apenas a arte circense?
Diego Fernando Goza Granja: A minha trajetória começou quando concluí o ensino médio, mas eu já fazia teatro na escola. Aí, vi um grupo praticando arte circense nas ruas, me interessei pela atividade e comecei a treinar com esses artistas, utilizando bolinhas e outras peças. Mas nunca trabalhei em um circo, sempre me exibia nas ruas de Bogotá. A minha carreira artística começou em 2010.
E como se desenvolveu essa interação do circo com as ruas?
Diego Granja: No circo, existe muita atuação cênica com uso de cordas, barras, monociclos e malabarismo. O circo é música e teatro. Eu comecei com o malabarismo de bolinhas. Depois, parti para a acrobacia em grupos e trapézios. Mas, como disse, sempre me apresentei nas ruas. Nunca trabalhei em um circo.
Nessa época, você se apresentava só nas ruas da capital colombiana ou havia espetáculos em outras cidades do país?
Diego Granja: Eu conheço poucas cidades da Colômbia. Mas, de vez em quando, recebia cachês para me apresentar em outras localidades, mas sempre retornava para Bogotá. Em 2014, fiz um ano de escola de circo. Ali, aperfeiçoei-me, melhorei a minha técnica e aprendi tanto a prática quanto a teoria do circo. Quando terminei essa formação, comecei a viajar para o exterior. Fui a algumas cidades do Equador e Peru. Retornei e comecei a me apresentar na tríplice fronteira do Brasil, Colômbia e Peru. Em determinado momento, peguei um barco em Leticia (cidade da Colômbia) e fui para Manaus. Foi uma viagem de seis dias pelo rio Amazonas. Encontro-me há nove anos no Brasil.
Na verdade, a sua trajetória artística no Brasil começou pela região Norte…
Diego Granja: Exatamente, comecei pelo estado do Amazonas e, depois, fui descendo pelo Brasil. Meu filho de oito anos nasceu em Pernambuco, em Recife. Aí começamos a viajar pelo Brasil. A minha ideia era chegar a São Paulo para encontrar os meus pais, que chegaram da Colômbia para conhecer o meu filho. Mas não consegui (chegar a São Paulo) por causa da greve dos caminhoneiros (em 2018). Mas chegamos a Ipatinga, onde os meus pais vieram para conhecer o neto. Eles ficaram 15 dias com a gente.
Neste seu percurso pelo Brasil, você só se apresentou nas ruas ou também em teatros e casas de shows?
Diego Granja: Normalmente, eu trabalho nos semáforos. Continuei trabalhando dessa forma até chegar a Recife. Na capital de Pernambuco, também me apresentei em escolas e festas. Até fui contratado por familiares para comemorações de aniversários.
E como você chegou a Itabira?
Diego Granja: Eu estava morando em Ipatinga e resolvi visitar Itabira. O nosso plano inicial era ficar apenas 30 dias na cidade, mas já vivo aqui há seis anos.
E, nesse momento, você só trabalha no Projeto Meninar ou desenvolve outra atividade?
Diego Granja: Eu sou artista e professor de circo. Faço o meu trabalho em outras áreas em Itabira. Por exemplo, dou cursos no Festival de Inverno. Pretendemos viver em Itabira definitivamente porque fomos acolhidos pela cidade. Eu e minha família nos sentimos felizes aqui.
Mas, você ainda se exibe nas ruas da cidade?
Diego Granja: Às vezes, sim. Antes fazia mais. Quando faltam alguns trocados para pagar uma conta, ainda me apresento nos semáforos, mas não como antes.
Logo que chegou a Itabira, você trabalhava o dia inteiro nas ruas?
Diego Granja: Eu me apresentava no semáforo da esquina da rua São José com avenida João Pinheiro e, também, naqueles sinais das proximidades da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade.
Atualmente, você tem quantos alunos na arte circense do Projeto Meninar?
Diego Granja: Eu tinha seis alunos no Meninar. Só que alguns são intermitentes, pois saem e voltam. Em certos casos, essas inconsistências são por problemas familiares. São crianças com muita vulnerabilidade. Atualmente, há três alunos fixos. Eu comecei no Projeto Meninar no mês de junho do ano passado. Eu leciono arte circense na pracinha da Vila Paciência.