Arthur Kelles – O que não é falado…
Em seu novo texto, o colunista Arthur Kelles fala sobre a importância de se abrir a outras pessoas
Não damos a devida importância ao ato de falar. Quando me refiro a falar, é sobre dizer sobre nossas preocupações, ansiedades, medos e inseguranças. Pode parecer bobo ou até mesmo inútil contar sobre o que nos aflige. Às vezes achamos que se falarmos sobre esses pontos para alguém estaremos incomodando.
Podemos querer deixar essas preocupações de lado, guardá-las em algum lugar e trancar bem a porta. O problema é que elas não ficam lá quietas e bem-comportadas. Acabam voltando à superfície, de uma outra forma, e nem sempre conseguimos perceber que elas estão ali. O corpo é uma das formas que pode mostrar o que está escondido. O estresse pode aparecer na forma de gastrites, dores de cabeça, manchas na pele. A ansiedade pode se manifestar como palpitações, dificuldade de respirar ou de dormir.
Um luto que não foi bem vivido pode voltar na pessoa enlutada com os mesmos sintomas do ente querido que faleceu. A decepção com algo pode fazer com que se fique cansado, sem forças de sair da cama. Mas nem sempre o que não é falado escapa em nosso corpo. A raiva que sentimos pode ser deslocada para outra pessoa que não tem nada a ver com nosso problema.
Nos estressamos no trabalho e quando chegamos em casa somos grossos com algum familiar, ou acontece o contrário, temos algum problema em casa e descontamos no trabalho. A raiva pode ser até direcionada a um objeto: socar uma parede, a porta do carro… mas não seria mais fácil se estas preocupações saíssem em forma de palavras? Falar sobre o que nos aflige com alguém que está apto a escutar devidamente tem valiosos efeitos.
Mesmo assim, não é a solução perfeita. Julgo importante sabermos que ainda que falemos, trabalhemos nossas questões, busquemos soluções, as preocupações continuarão a aparecer – ainda que em menor grau. É complicado esperarMchegar em um estado mental em que nada vai te afetar.
Pode ser que te afete menos, mas ainda assim um pouco sempre restará. O que se torna a questão principal é: seria melhor sofrer com dores corporais ou resolver um relacionamento cheio de conflitos? O ideal é descontar a raiva que se sente em um familiar ou amigo ou falar sobre essa raiva? Qual a melhor maneira de lidar com isto?
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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