O São Paulo de Hernán Crespo e o atraso do nosso debate

Início meteórico do técnico argentino tem despertado comparações com o antigo treinador são-paulino Fernando Diniz

O São Paulo de Hernán Crespo e o atraso do nosso debate
Foto: São Paulo/Twitter

Uma das sensações deste início de temporada 2021 do futebol brasileiro, o São Paulo de Hernán Crespo chegou ontem à sua oitava vitória consecutiva. No triunfo contra o Rentistas-URU pela Libertadores por 2 a 0, o tricolor paulista atingiu quatro jogos seguidos sem sofrer gols e 20 tentos marcados neste período de invencibilidade.

O início empolgante de trabalho tem rendido muitos elogios, por parte de torcida e imprensa, a Hernán Crespo, histórico ex-atacante argentino que migrou para a carreira de treinador. A agressividade da sua equipe, o sólido sistema defensivo e as diferentes maneiras de se portar em campo são algumas das principais virtudes elogiadas na equipe.

No entanto, um ponto relativo à comparação com o trabalho do ex-técnico são-paulino Fernando Diniz tem me chamado a atenção. Alguns dos colegas jornalistas repetem que o São Paulo de Crespo parece mais disposto a vencer e menos propenso ao jogo bonito do que a equipe comandada por Diniz. A forma com que estes comentários são feitos dá a entender que existe apenas uma escolha absoluta: ou você joga bonito ou você vence.

Vejamos, com um estilo de jogo agradável e muito pautado no toque de bola, o clube paulista liderou boa parte do último Brasileirão e despontou como principal candidato ao título. Olhando para trás, o principal fator causador da perda do título brasileiro foi extra-campo: a discussão pública entre Fernando Diniz e Tchê Tchê. O episódio ocorrido no jogo contra o RB Bragantino desestabilizou o ambiente nos arredores de Cotia, já conturbado devido à seca de grandes títulos que chega a nove anos.

Quando entrou em má fase e passou a sentir a taça escorrer pelos seus dedos, o São Paulo, de confiança abalada, abandonou o DNA que havia o levado à liderança e foi, aos poucos, fugindo da primeira colocação. Ao fim da disputa, um decepcionante quarto lugar que custou, inclusive, a saída do treinador.

Atrelar a escolha por um jogo que soe mais agradável aos olhos dos torcedores a um possível desapego ao prazer da vitória é algo que beira o patético. Ao fazermos isso, ignoramos o fato de boa parte do planeta bola aderir a métodos de trabalho que envolvem o toque de bola, a saída pelo chão desde a defesa, o jogo do goleiro com os pés, a paciência para encontrar espaços, entre outros. Claro, cada um adaptando o cenário de acordo com as peças que tem, mas, no geral, fazendo esta aposta. Observe o futebol europeu: os maiores campeões do continente nos últimos anos tem atuado assim.

A escolha pelas ligações diretas, os cruzamentos incessantes, o jogo mais “bruto” tem ficado para trás. Com defesas cada vez mais firmes e preparadas, este estilo de jogo hoje é facilmente neutralizado. O Atlético-MG de Cuca, por exemplo, realizou impressionantes 110 cruzamentos nos jogos contra Boa Esporte (Campeonato Mineiro) e Deportivo La Guaira-VEN (Libertadores). A insistência nos “chuveirinhos” custou um empate contra o adversário venezuelano e quase atrapalhou a vitória contra o lanterna do campeonato estadual, ambos times muito mais fracos que o Galo.

Fazer com que seu time jogue a partir do toque de bola desde a defesa não é simplesmente uma postura estética. É uma convicção. Quer um exemplo? Observe, abaixo, o gol marcado pelo Argentinos Juniors, de Diego Milito, na vitória de ontem contra a Universidad Católica-CHI por 2 a 0 pela Libertadores.

Está na hora de ampliarmos nossa visão sobre o que é o futebol jogado hoje no planeta e nos desprendermos do passado. Não existe a escolha definitiva por um jogo bonito ou um jogo feio. Existem diferentes formas de se chegar à vitória, inclusive a que não lhe agrada.

Victor Eduardo é jornalista e escreve sobre esportes em DeFato Online.

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