Ouro Preto quase virou quintal de Mariana

O tal pretendente ao trono de Vila Rica é irmão de Juliano Duarte, o prefeito eleito da primeira capital mineira

Ouro Preto quase virou quintal de Mariana
Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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Sou ouro-pretano raiz. Itabirano idem. Então, equilibro-me entre o taciturno (e genial) Carlos Drummond de Andrade e o excêntrico (com fabuloso talento) Bernardo Guimarães. Assumo um pouco de cada um. Aqui começa uma conversa fiada sobre a velha Vila Rica. Reafirmo. Sou ouro-pretano raiz.

Já perambulei pelas ruas estreitas de majestosos casarões coloniais em meio à densa cerração. Quase nada se via. Esse era o ritual rotineiro da minha adolescência e mocidade. O frio do inverno das décadas de 1960 e 1970 cortava a pele como faca afiada. As minhas andanças invadiam as madrugadas. Nessas ocasiões, costumava dar de cara com vultos soturnos. Não sei se deste mundo ou de além. Um enjoativo aroma de chocolate, às vezes, escapava do intenso nevoeiro. As fumaças se confundiam. O cheiro, porém, não incomodava. As inodoras cervejas atraíam-me mais. E  um fato muito importante. Fui “batizado” na zona debaixo da Escola de Farmácia, pertinho da Praça Tiradentes, na icônica Casa da Santita.

Mariana é muito perto. Apenas 12 km separam os dois municípios. Os habitantes das localidades conservavam dissimulada rivalidade. É um detalhe até natural. Este escrevinhador tinha o saudável costume de frequentar o ex- arraial de   Ribeirão do Carmo nas noites de sábados. A “invasão” acontecia em companhia de um grupo de amigos. Ninguém era suficientemente maluco para se aventurar por ali no modo solitário. Os jovens de Mariana não toleravam a inconveniente presença dos vizinhos. Em algumas ocasiões, as cabeças dos intrusos  se transformavam em aeroportos de ovos. Os forasteiros eram recebidos com intensa “ovação”.  Os conterrâneos do Aleijadinho, porém, tinham escassez de vergonha na cara.  A minha turma adorava frequentar o bar “Senzala”, na exuberante Praça Gomes Freire, bem atrás da Catedral da Sé. No local, há um coreto onde o excelente conjunto “The Rebels” (Os Rebeldes) se apresentava.

Os ouro-pretanos do meu tempo (popular nativos) eram muito orgulhosos da sua aldeia. Eu imaginei que esse sentimento prevalecesse nos dias de hoje. Mas, não. Quase sofri um desarranjo mental nas eleições deste ano. É incrível, inacreditável. Um “gaveteiro” tentou transformar Ouro Preto num feudo familiar. João Ramos Filho — o maior líder político da história de Mariana — não teve tanta ousadia. E Ramos sempre foi a mais autêntica personificação da ousadia.

Confira os principais capítulos da chanchada. O deputado federal marianense Duarte Júnior- uma personagem dos labirintos do baixo clero de Brasília- sonhou conquistar a Prefeitura de Ouro Preto. Que sonho?  Por favor, desperte-me do pesadelo. E nada é tão ruim que não possa piorar. O tal pretendente ao trono de Vila Rica é irmão de Juliano Duarte, o prefeito eleito da primeira capital mineira. É o fim da picada.  Ouro Preto esteve prestes a virar um mero quintal da família Duarte. O panorama é surrealista. A coisa mais parece estratégia de oligárquico coronelato da República Velha. Durma-se com um barulho desse!  A pólis — que já foi governada por Washington de Araújo, José Benedito Neves, Benedito Xavier, Alberto Caram, Wilson Milagres e Genival Ramalho — quase caiu no colo de franco atirador de ocasião.  Essa assustadora maluquice parece enredo de filmes de terror do imortal Zé do Caixão.

E a trama se revelou de um amadorismo digno de dó. A cobiça de poder de Duarte Júnior se enveredou para o mais perturbador improviso. Afinal, o ilustre parlamentar nem residência fixa mantinha em Vila Rica. O candidato simplesmente montou barraca num hotel enquanto fazia campanha. O artista quase se elegeu. Ainda bem que maioria mínima dos “nativos” conserva sutil noção do ridículo. Essa parcela do eleitorado evitou que a terra de Bernardo Guimarães se transformasse numa monumental piada pronta.

P.S.1: Anote aí. O deputado Duarte Júnior perdeu por pouco. A diferença para Angelo Oswaldo foi de apenas 1,7%.  O recado das urnas é muito claro: ou Ouro Preto inventa novas lideranças políticas ou fatalmente as portas da prefeitura se escancararão para o “nobre” parlamentar daqui a quatro anos. Experimente pagar para ver.

P.S.2: Já fui muito corajoso, confesso. Uma prova disso.  Na época da “ovação”, arrumei uma namorada em Mariana. Foi tempo de Vera. A terra dos arcebispos era paraíso de lindas meninas. Um exemplo. A incrível Eliana Parreira Guimarães foi Miss Minas Gerais, Miss Brasil e conquistou o quinto lugar no concurso Miss Universo. Era o ano da graça de 1971. Eliana era uma mulher literalmente à altura (1,80m) das marianenses.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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