Para especialista em literatura, Itabira é quem “dependura Drummond na parede”
Erivelton Braz é monlevadense, graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Crítica da Cultura, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira

O poema "Confidência do Itabirano", de Carlos Drummond de Andrade, termina com a célebre frase de que "Itabira é apenas uma fotografia na parede". E logo depois, o poeta emenda: "Mas como dói". Esse trecho sempre rendeu teorias e discussões. Uns afirmam que o poeta se desfez de sua cidade natal. Outros argumentam que é uma expressão saudosista.
Mas, para o monlevadense especialista em literatura, Erivelton Braz, é Itabira que "dependura Drummond na parede" e não dá ao poeta a importância que deveria. O artigo de opinião foi publicado na edição 239 da Revista DeFato, em novembro.
Confira:
Mas como dói
De que Carlos Drummond de Andrade é um dos maiores poetas da língua portuguesa, não se discute mais. Drummond é excepcional por sua lírica moderna, por seu olhar sentimental e crítico para as questões de seu tempo. É um dos maiores expoentes da nossa produção literária, inclusive, no cenário internacional, pela sua força poética transcendental.
Reconhecido e admirado país a fora, Carlos Drummond de Andrade é tema de estudos complexos de teoria da literatura, sobretudo, no que diz respeito ao memorialismo, suas relações com outros autores e a aura biográfica, tão presente em seus poemas. E é nesse apelo biográfico que Drummond sempre remeteu seus versos a Itabira, sua gente, seus logradouros. Mas, a cidade natal, infelizmente, parece virar as costas para o seu filho mais ilustre.
Explico. Faltam à terra do poeta mais ações que tornem evidentes as memórias de Carlos Drummond de Andrade. Imortalizado em estátuas várias, a imagem de Drummond é explorada à exaustão, mas sua obra, de fato, acaba preterida pelo seu busto, em bronze.
Vejamos. Por que não é realizado um grande evento anual, com especialistas e estudantes de todo o Brasil, discutindo a obra literária, apresentando discussões e resultados de pesquisas, teses e dissertações sobre Drummond? Por que não desenvolver outros meios para a promoção do nome do poeta maior? Um festival de teatro, de cinema, de música, sobre crônicas, contos e poemas? Não seria a hora de o itabirano compreender e saber-se conterrâneo de um gênio?
Acredito que falta mais empenho para tornar conhecidas essas ações, demonstrando interesse e afinco na preservação da obra do grande poeta brasileiro. No entanto, a academia está longe de Itabira e ela, longe da academia. E não é apenas no cenário das Letras. Muitas pesquisas poderiam ser desenvolvidas sobre Carlos Drummond de Andrade, envolvendo outras áreas do conhecimento: História, Filosofia, Arquitetura, Artes Cênicas, Jornalismo…
Sei que, durante anos, imperou a polêmica a respeito dos versos de Confidência do Itabirano: “Itabira é apenas um retrato parede/mas como dói”. Deixando de lado as diversas interpretações possíveis sobre o poema, afirmo que essa é uma das manifestações memorialísticas mais bonitas que já li. A imagem da cidade na parede remete a um passado morto, que não existe mais, mas que vive na lembrança de uma foto, de um instante cristalizado para sempre. Seria uma foto do grande Brás Martins da Costa?
Demonstração de saudosismo daquele que, por questões profissionais e até artísticas, partiu para outras paragens. E eu me pergunto: Drummond seria Drummond se morasse para sempre em Itabira? Talvez exercesse frustradamente a sua formação de farmacêutico, ou seria um “fazendeiro do ar”, como ele mesmo se intitulou, na tentativa falhada de cuidar do Pontal…
Hoje, a situação parece ter se invertido. O poeta é que parece dependurado na parede, nomeando logradouros, instituições, enfeitando praças e rotatórias. Drummond merece mais, com certeza. Porque abandoná-lo, mais do que tudo, dói.
Erivelton Braz é monlevadense, graduado em Letras, mestre em Teoria Literária e Crítica da Cultura, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
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