Parece que você piorou

Confira o novo texto do psicólogo e colunista da DeFato, Arthur Kelles

Parece que você piorou

Pode ser que após algum tempo fazendo terapia, as pessoas a seu redor comecem a falar que você piorou, que parece que você não é mais o mesmo. Elas dizem isso em um tom pejorativo, mas é interessante entender o contexto dessas falas. Como assim estou pior? Quem me mudou tanto que não sou mais eu? Compreender a perspectiva dessa piora mostra que quando dizem isso, muitas vezes estamos melhores, pois estamos construindo nossa própria história.

Elas comentam isso porque com o tempo vamos vivendo sem tanta influência do que os outros esperam de nós. Passamos a fazer nossas próprias escolhas, vivemos nosso próprio caminho, seja ele qual for. Posso largar minha carreira estável e começar outra vista pela sociedade como “sem futuro”, posso decidir terminar um relacionamento de anos que para as pessoas funciona muito bem mas que há muito tempo não é saudável. Posso pedir demissão subitamente de um emprego que ganho bem, mas que está minando minha saúde mental e física.

Quando dizem que nós pioramos ou que não somos nós mesmos, na verdade é que não estamos mais respondendo às expectativas daqueles que nos cercam. Se uma família espera que o filho escolha uma carreira promissora e ele larga tudo e escolhe outra tida como instável, mas que é seu verdadeiro desejo, com certeza todos vão dizer que algo está errado.

Mas será que está mesmo? Se uma pessoa decide não ir a uma festa porque pensa que quem estará lá não lhe faz bem, podem pensar que está sendo egoísta. Mas há grandes problemas em priorizar seu bem-estar e não conviver em ambientes que lhe fazem mal?

Com o passar do tempo vamos aprendendo a considerar a opinião de quem nos quer bem, mas não acatar tudo cegamente, como se fosse uma verdade absoluta. Aprendemos a bancar nossas apostas na vida. Pode ser que a mudança de escolha na carreira dê muito errado, que o pedido de demissão provoque um período de desemprego muito angustiante.

Não há garantias que as coisas funcionarão. No entanto, se não há garantias, é melhor arriscar em algo que desejamos do que em algo que se espera de nós, não é mesmo?

Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos. 

O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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