Perdeu, mané!

O fracasso numa tentativa de reeleição se transforma em genuína tragédia grega

Perdeu, mané!
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Deixar o poder é difícil. Um baque humano sem igual. Num piscar de olhos, o “onipotente” detentor de cargo eletivo afunda no ostracismo, onde o buraco é literalmente mais embaixo. A readaptação ao dia a dia das ruas (ou lugar comum) causa transtornos. O poder é letal afrodisíaco. Nesse contexto, o fracasso numa tentativa de reeleição se transforma em genuína tragédia grega. Jair Bolsonaro (PL) é ator emblemático deste drama.

A angústia pelo revés tem explicação freudiana: o “todo poderoso” ocasional se julgava proprietário de mandato imperial eterno. O sem noção (de tempo e espaço) não percebe que a autonomia discricionária tem prazo de validade. E pior. Quatro anos passam na velocidade de vagabundo cometa. Mas, de repente, a ficha cai. A iminente possibilidade de destronamento aparece na forma de convulsão mental.

O próximo capítulo desta chanchada é a dura realidade pós-eleitoral. O triunfo do adversário, ou ladrão de votos, é uma manifestação sobrenatural. A perambulação do perdedor pelos vazios corredores palacianos assemelha-se a cena de filmes escatológicos. O ex-dono do pedaço se comporta como um zumbi desnorteado, sem eira e nem beira. Nessa altura do campeonato, a solidão é a grande companheira da “vítima” do eleitorado. Os últimos meses com a caneta na mão são sinônimos de desolação. Afinal, a tinta da Bic já se esgotou há muito tempo.

O ambiente é de fim de feira. Tem cheiro de engenho de fogo morto. Tancredo Neves, velha raposa mineira, descreveu com precisão os últimos dias de Pompéia. “Você tem consciência de que tudo acabou quando nota que até aquele moço que servia o cafezinho desapareceu”, ironizava o ex-governador de Minas. Perder uma disputa eleitoral é experiência surrealista. “Rei deposto, rei morto”, garante ditado popular.

E nada é tão ruim que não possa piorar um pouco mais. Murphy tem razão. Os primeiros dias fora do castelo, sem poder, são constrangedores. O velho mandachuva sai às ruas e é solenemente ignorado pelos súditos. Nem eternos puxa-sacos, os caça boquinhas, dão bola para o “cara” (que cara?).  Enquanto isso, o panorama só degrada. O script fica insustentável na hora do troco do vitorioso. As sequelas do processo eleitoral deixam cicatrizes. O vale-tudo da refrega está sujeito à lei do retorno. E a vaca toma definitivamente o rumo do brejo no momento em que o novo bam-bam-bam decide fazer o “apagamento” do antecessor.  Aí, até aquela fulgurante fotografia na parede do gabinete maior acaba na lata de lixo. Os senhores do trinfo não perdoam. Pobre do ex-qualquer coisa: presidente, governador ou prefeito. Esses atores não passam de meros manés na reta final de governo. E tomem doses homeopáticas de isolamento.

Observe atentamente um exemplo emblemático de poder na atualidade. Nos Estados Unidos, Donald Trump cancelou a era Joe Biden. Bastou simples canetada e “Apocalipse Now”. O discurso de posse do republicano foi teatro dos horrores. Na oportunidade, o Big Pic demoliu os antigos inquilinos da Casa Branca com sutileza de elefante em loja de louças. Estufou o peito, empinou a exótica cabeleira ruça e tachou os democratas de corruptos, comunistas e incompetentes. Detalhe do cenário. Biden e Kamala Harris ocupavam as primeiras cadeiras na distinta plateia. Foi um constrangimento do cão. E a tortura não parou aqui.  No dia seguinte, a infalível esferográfica do falastrão anistiou os arruaceiros da invasão do Capitólio.

Uma passagem ilustra essa lorota toda. O ministro Luís Roberto Barroso foi insultado por um bolsonarista, numa avenida de Nova Iorque, logo depois da derrota de Jair Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022. O magistrado do STF não se conteve e desabafou: “perdeu, mané!”. Pegou mal. O juiz da Suprema Corte involuntariamente revelou a sua preferência eleitoral. Mas, restou a lição. Os rejeitados nas urnas são realmente manés. É o fim!

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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