Por que Emanuel Carneiro vendeu a Rádio Itatiaia?
Ouvinte assíduo e admirador da emissora, o jornalista Fernando Silva comenta o fatídico episódio recente: a compra da Rádio Itatiaia pelo empresário Rubens Menin.
Nasci com um aparelho de rádio colado ao ouvido. Um pequeno detalhe genético. Até mesmo por isso, conservo um encanto natural pela mídia falada. O rádio é uma companhia inseparável, desde os meus tempos de “criança pequena”, lá em Ouro Preto.
Na antiga Vila Rica, o som das emissoras ecoava nas ruas e becos. O barulho saía com muita intensidade do interior dos casarões coloniais. Os ouro-pretanos, nos anos 1960, tinham clara predileção pelas estações cariocas. Minha mãe, por exemplo, ouvia a Globo de Roberto Marinho e a Tupi dos Diários Associados. Meu pai escutava a Nacional pra torcer pelo Botafogo. O “velho” era doente pelo alvinegro do Rio de Janeiro. O time da “Estrela Solitária” ganhava todas. Naquela época, o botafoguense desconhecia a palavra sofrimento.
Com o tempo, a Rádio Guarani de Belo Horizonte desbancou a hegemonia dos cariocas. Nos domingos de clássico maior do futebol mineiro, a potente locução de Jota Júnior invadia os ares da cidade barroca. Jota foi o maior narrador esportivo de Minas Gerais, em todos os tempos. Um câncer na garganta calou prematuramente o vozeirão privilegiado. O radialista goiano morreu aos 42 anos de idade, em 1981.
A Rádio Itatiaia era uma leve insinuação na região dos inconfidentes, naqueles idos. Ninguém a ouvia. Eu só descobri a cria de Januário Carneiro durante uma temporada de férias, na casa de um tio, em Nova Lima. E me espantei com uma constatação bastante prática: na chamada “Terra do Ouro”, só dava a Itatiaia. E, de cara, fiquei maravilhado com a programação simples e eclética daquele pequeno veículo de comunicação. A prioridade já era o futebol. Retornei a Ouro Preto. Tentei, de todas as formas, sintonizar a invenção da família Carneiro. Em vão. O antigo “RCA Victor” da minha casa captava apenas o chiado típico de uma caixa de abelhas. A frequência era fraca demais.
O tempo passou. A Itatiaia teve muita paciência (e insistência) para se desenvolver. Mas era uma empresa frágil. Em algumas ocasiões, chegou beijar a lona. Quase faliu. Um exemplo. Em meados dos anos 1960, Januário formou uma equipe de esportes muito eficiente. O time contava com profissionais da envergadura de Jota Júnior, Osvaldo Faria, Kafunga, Paulo Roberto Pinto Coelho, Carlos César Pinguim, Waldir Rodrigues, Roberto Abras, Fernando Sasso, Ronan Ramos, José Silvério e outros. A audiência era muito boa na região metropolitana de BH.
O atrevimento do pequeno empreendimento começou a fustigar a audiência da Rádio Guarani, um órgão de imprensa do poderoso Assis Chateaubriand. O popular Chatô – que não era de levar desaforo pra casa – resolveu interferir naquela improvável queda de braço (era apenas uma impertinência). E partiu com tudo pra cima da concorrência.
Numa véspera de Cruzeiro x Atlético, o empresário paraibano desembarcou na capital mineira de surpresa. E agiu com sua natural agressividade. Conversou com todos os membros do departamento de esportes da Itatiaia e fez uma proposta humanamente irrecusável: triplicou o salário de cada um. Consequência dessa atitude radical: conseguiu levar quase todo o mundo para a Guarani. Essa história registra três incríveis exceções: Osvaldo Faria, Roberto Abras e Pinguim suportaram o assédio financeiro do extravagante “Rei do Brasil”. Foi um sufoco pra garantir a transmissão do clássico. Januário teve que garimpar narradores, repórteres e comentaristas no interior de Minas Gerais. Nada de inusitado. Afinal, com o tempo, a Itatiaia também se transformaria numa autêntica fábrica de jornalistas e radialistas. A emissora sempre foi uma mina de talentos. E – a partir desse episódio – cresceu tanto que virou a incrível “Rádio de Minas”.
Então, levei tremendo susto, no início da semana atrasada, uma espécie de tiro à queima-roupa. Li o furo do portal UAI, nas primeiras horas da manhã de quarta-feira (13/05). A princípio, não acreditei no título da matéria divulgada com exclusividade: ”Rádio Itatiaia é comprada pelo empresário Rubens Menin”. Reagi instintivamente: “os discípulos de Chateaubriand escorregaram numa fake news”, imaginei. Mas, logo a seguir, fria realidade pintou no cenário. A DeFato confirmou a informação.
E aqui vai a pergunta que insiste não calar: por que o competente Emanuel Carneiro se desfez da sua “razão de viver”? A resposta é simples: 120 milhões de reais abalam sólidas convicções e demolem a mais empedernida obstinação. Afinal, todo homem tem o seu preço. O discurso moralista contrário a essa tese não passa de mera hipocrisia. Repito: qualquer pessoa exibe um código de barras na testa.
O milionário negócio encerrou o ciclo de vida da velha Rádio Itatiaia. Não acredite no mito da fênix (nesse caso específico, pelo menos). O sonho original de Januário Carneiro chegou ao fim. A Itatiaia era uma organização tipicamente familiar (o pretérito imperfeito é sinônimo de história). A excelente administração dos Carneiro foi um romântico artesanato que deu muito certo. A Itatiaia mais parecia aquela deliciosa feijoada preparada com muito esmero, num fogão a lenha, num rancho qualquer, bem no meio do mato. Dava gosto saborear (ou ouvir).
A emissora do tradicional bairro Bonfim, a partir de agora, passará por profundas transformações. A estrutura funcional da “Rádio de Minas” é formada por pequenos feudos. Há feudos de Acir Antão, José Lino Souza Barros, Eduardo Costa e mais alguns. É uma característica bastante peculiar da instituição. Essa conformação medieval, por exemplo, fatalmente será desmontada.
Rubens Menin – o novo Chief Executive Officer (CEO) – é um investidor bastante pragmático (até certo ponto arrivista). O jeito Menin de ser não passa despercebido no meio político. O dono da MRV já foi admirador incondicional de Lula e Dilma Rousseff. Hoje, é bolsonarista de carteirinha. Então – até mesmo por tudo isso – vem aí uma nova Rádio Itatiaia. Nada a ver, portanto, com o sonho original de Januário Carneiro.
PS1: Rubens Menin é um mega empresário de tudo: mídia, construção civil e esporte. Ele foi à compra. Pra ficar com o Atlético Mineiro, investiu 300 milhões de reais no futebol e mais R$ 560 milhões na construção de uma moderna arena. Desembolsou R$ 120 mi e levou a maior emissora de rádio de Minas Gerais. O “cara” já é dono da “franquia” do canal CNN, no Brasil. Aonde esse agressivo empreendedor vai parar?
PS2: Emanuel Carneiro ainda ancora a “Turma do Bate-Bola”, todos os dias, às 18h05. “Mas como dói!”