Projeto de lei quer proibir atendimento a bonecas “reborn” em serviços públicos de Minas Gerais
Especialistas alertam para limites e riscos do uso do objeto como substituto de vínculos reais
Criadas com riqueza de detalhes, veias visíveis, textura de pele macia e cabelos implantados fio a fio, as bonecas reborn não são uma novidade. A técnica do “reborning” surgiu durante a Segunda Guerra Mundial e ganhou força nos anos 1990. Atualmente, essas bonecas são utilizadas para fins diversos, desde objetos de coleção até treinamento médico e primeiros socorros. No entanto, o uso dessas bonecas em contextos de saúde pública acendeu o alerta de autoridades e especialistas.
Na última terça-feira (13), o deputado estadual Caporezzo apresentou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais o Projeto de Lei (PL) nº 3.757/2025, que propõe a proibição de atendimentos a bonecas reborn e outros objetos inanimados nos serviços públicos do estado. O parlamentar afirma que a medida busca evitar o uso indevido de recursos públicos e garantir que a assistência chegue a quem realmente precisa.
Caso a lei seja aprovada, o descumprimento da norma poderá resultar em multa de até dez vezes o valor do serviço indevidamente prestado. Os valores arrecadados com as penalidades seriam revertidos para ações voltadas ao tratamento de pessoas com transtornos mentais.
A proposta surgiu após um caso registrado em Minas, no qual uma mulher procurou atendimento médico alegando que sua boneca reborn estaria com febre. O deputado considerou o episódio um reflexo dos “devaneios da sociedade contemporânea”.
Uma das principais ressalvas em relação à boneca é o uso associado a situações de luto por perda de filhos. Para o psicólogo e psicanalista João Pedro Rodrigues, o uso do bebê reborn pode atrapalhar a elaboração da perda. “O luto é, justamente, o enfrentamento da ausência. Quando se coloca um objeto no lugar do ente perdido, a pessoa pode permanecer fixada naquele vínculo, sem realizar a transferência emocional necessária para seguir adiante”, avalia.
Segundo ele, embora o boneco possa representar diferentes funções subjetivas para cada indivíduo, existe o risco de que o objeto seja usado como substituto simbólico de um filho. “O bebê reborn pode ter diferentes significados para cada pessoa, mas seu uso pode ser prejudicial quando substitui simbolicamente um filho. Ele não cumpre o papel subjetivo que um filho real exerce na constituição do sujeito”, explica.
Além disso, estudos da University College London nas áreas de neurociência e psiquiatria publicado na Nature Communications mostram que o cérebro pode reagir a estímulos imaginários de forma semelhante aos reais. Contudo, quando o uso do imaginário se transforma em refúgio permanente, especialmente em pessoas com quadros como transtorno dissociativo, borderline ou histórico de traumas precoces, há risco de confusão entre fantasia e realidade. Isso pode comprometer a autonomia psíquica e social do indivíduo.
Apesar das ressalvas, especialistas também apontam que o bebê reborn pode trazer benefícios em contextos específicos. Um exemplo é o uso com pacientes diagnosticados com Alzheimer, como ferramenta para resgate de memórias afetivas e redução de sintomas como agitação e ansiedade.