Qual é a política de sustentabilidade da Vale, em Itabira?
Nesta semana, Fernando Silva contrapõe os conceitos de sustentabilidade à atuação da mineradora Vale, da qual muito se fala sobre a exaustão de suas minas em Itabira
A Vale vai embora. “E, daí? Um dia todo o mundo vai embora”, filosofaria um cachaceiro maluco, num bar qualquer da Barra da Tijuca, lá no Rio de Janeiro. Com efeito. A Vale veio. A Vale vai. É o ciclo da vida. Nada anormal. O adeus da mineradora é iminente. A antiga “joia da coroa” não ficará nem mais dez anos por essas bandas. O que parecia eterno se faz efêmero.
A descoberta da hematita provocou euforia em Itabira do Mato Dentro, na primeira metade do século passado. Com razão. A novidade seria a redenção socioeconômica da pequena localidade. O “eldorado ferroso” era prenúncio de tempos promissores. Na crônica “Vila de Utopia”, o poeta Carlos Drummond de Andrade explicitou o frenesi dos moradores da “Cidadezinha Qualquer”:
“É curiosa a Vila de Utopia, posta na vertente da montanha venerável e adormecida na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro, que darão para “abastecer quinhentos mundos durante quinhentos séculos”, conforme garantia o visconde do Serro Frio. “Os números que exprimem a quantidade de minério de Itabira”, confirma o professor Labouriau, “são astronômicos: de tão grandes tornam-se inexpressivos”.
E, nessa maré de otimismo, a velha Cia Vale do Rio Doce (CVRD) desembarcou no pedaço para cavoucar a terra. Era o limiar da década de 1940. A empresa foi criada em plena Segunda Guerra Mundial. O minério itabirano supriu a indústria bélica dos países aliados e garantiu a paz do mundo.
Itabira e a CVRD pareciam nascidas uma para a outra. Foi um casamento típico do tradicionalíssimo “até que a morte nos separe”. Mas, não. O feliz matrimônio chegou ao fim. A Vale ameaça pegar o boné. E daí? Um dia, qualquer um cobre a cabeça e dá no pé. Nada mais natural. Casamentos foram feitos para virar pó (como o minério).
Esse é o instante para botar na mesa os preceitos de sustentabilidade. O paradigma floresceu na década de 1990. Naqueles idos, a comunidade internacional percebeu a importância da proteção ambiental. E a temática virou a coqueluche do final do século passado. Hoje, é um item fundamental no relacionamento empresa/ sociedade.
Há duas teses para definir sustentabilidade. A mais direta consagra a obrigação de se garantir um meio ambiente saudável para as próximas gerações. É a confirmação da aposta num futuro mais viável para o planeta. Outra linha de pensamento define a sustentabilidade por meio de um tripé (Triple bottom line): eficiência financeira, compromisso social e responsabilidade ambiental. Esses são os valores dos grandes conglomerados empresariais, hoje em dia.
Então, eis o resumo da ópera. Eficiência econômica significa a sobrevivência da instituição. Leia-se aí: lucro e remuneração atraente para os acionistas. O discurso social é interno e externo (dentro e fora da empresa). No primeiro caso, mantém-se foco preferencial na melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida dos operários (que, agora – para justificar a natural exploração – ganharam o pomposo apelido de “colaboradores”). A faceta exterior prevê a participação ostensiva no desenvolvimento das comunidades das áreas de influência (municípios). Nesse aspecto, os recursos devem ser aplicados em cultura, infraestrutura, economia ou educação. Finalmente, o terceiro vértice é a preservação ou recuperação ambiental. A imagem de uma empresa é avaliada pelo seu índice de comprometimento com o Triple bottom line.
E, agora, vamos ao ponto: a Vale está se escafedendo. Isso é notório. A fatídica decisão de dar o fora enseja três perguntas básicas: qual é a política de sustentabilidade da mineradora em relação a Itabira? Os investimentos econômicos compensaram a tremenda catástrofe ambiental provocada pela atividade minerária? E qual será o legado da ex- estatal para as próximas gerações? Há um palpite quase homogêneo para esse derradeiro questionamento: encostas esburacadas, montanhas depredadas, monstruosas barragens abandonadas e cidadãos com crônicas doenças respiratórias.
E tem mais. No instante mais dramático da história da cidade (com o número de mortos acima de duas centenas), qual foi a ação da transnacional brasileira para, pelo menos, amenizar o sofrimento dos Itabiranos? Nada muito visível. Até agora, praticamente nada.
Pelo visto, a fraternidade da “Grande Empresa” não funciona nem na máxima de Otto Lara Resende: “o mineiro só é solidário no câncer (ou na pandemia)”. A Vale é mineira. Pelo menos, nasceu aqui. Antes de vazar na braquiária, ela deveria marcar um encontro com a dignidade. Afinal, não se cospe no prato onde se comeu. Isso é sustentabilidade.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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