Quarentena em Conceição impede trabalhadores da Anglo de irem para casa 

Funcionários e terceirizados que saírem do município precisam cumprir quarentena de sete dias; período é descontado no salário 

Quarentena em Conceição impede trabalhadores da Anglo de irem para casa 
Foto: internauta via wpp

Funcionários e terceirizados da mineradora Anglo American estão vivendo dias angustiantes em Conceição do Mato Dentro diante da pandemia de Covid-19. Muitos moram em outras cidades e se sentem impedidos de voltar para casa,  já que, ao saírem do município, são obrigados a cumprir a quarentena de sete dias exigidos pelo decreto municipal. Dessa forma, no período em que o trabalhador cumpre o isolamento domiciliar, os dias são descontados do salário.

De acordo com relatos recebidos pela reportagem de DeFato Online, há trabalhadores que estão cerca de três meses sem voltar para casa. Além disso, convivem com o constante medo de demissões. Segundo as informações, vigilantes da empresa foram orientados a fiscalizar se os trabalhadores estão saindo de Conceição. O que leva alguns a arriscarem a vida passando pelas barreiras sanitárias dentro do porta-malas dos carros.

“A Anglo está vigiando os seus funcionários e chegando a ameaçar com demissões caso eles saiam da cidade. Todos são obrigados a ficar sete dias em casa sem acessar a mina. Esse período é descontado na folha de pagamento e isso acontece desde o início da pandemia”, disse uma trabalhadora da empresa.

Segundo ela, a mineradora distribuiu informativos pedindo para que os funcionários não saíssem do município. Aqueles que descumprem as normas foram demitidos. “É uma forma de obrigar as pessoas a ficarem em casa e a demissão é a punição. Além disso, quem é testado aqui dentro não tem acesso ao exame. Você recebe apenas um telefonema dizendo se deu positivo ou negativo”, afirma a trabalhadora.

Outro relato revela que fotos e entrevistas com as pessoas que estão saindo da cidade em carros particulares são feitos para identificar os funcionários da empresa. “A Anglo está controlando as pessoas. O sentimento de ameaça e medo de não poder ver os familiares é ainda pior”, relata.

Barreiras sanitárias

Além de não poderem voltar para casa, os funcionários e terceirizados que trabalham na mina enfrentam congestionamentos intensos devido ao grande fluxo de carros na barreira sanitária ao final de cada expediente.

“Estamos cansados e ficamos horas dentro dos ônibus”, conta um trabalhador. Uma funcionária afirma que, mesmo tendo a temperatura aferida todos os dias no refeitório da empresa, ainda sim é preciso parar na barreira sanitária para outra aferição, intensificando ainda mais o congestionamento, já que ônibus são parados e todos os passageiros passam pelo processo.

“A Anglo deu um kit com termômetro para cada trabalhador para medir a sua temperatura também. Mesmo assim precisa parar na barreira, cansado, com fome, querendo ir no banheiro e precisa ficar preso dentro do ônibus por horas”, pontua uma trabalhadora.

Anglo American se posiciona

Em resposta as denúncias, a Anglo American afirmou que aplica o que é previsto na legislação municipal, estadual e federal. E que tem orientado os seus empregados e terceiros a fazerem o mesmo.

“Em Conceição do Mato Dentro, um decreto municipal determina que os moradores que saírem da cidade, ao voltar, são obrigados a permanecer sete dias em quarentena. A exigência vale para todos, inclusive os empregados e terceiros da Anglo American que vivem na cidade”, informa a empresa.

Nesse sentido, a mineradora afirma que sair ou não do município é uma decisão de foro pessoal. Contudo, se um empregado ou terceiro sai de Conceição, ao voltar terá que cumprir a quarentena, conforme exigido pela legislação municipal. E, se sua função não permite que trabalhe de forma remota, terá os dias descontados por falta ao trabalho, uma vez que essa não é uma licença remunerada prevista em lei. Ademais, a empresa afirma que nenhum empregado foi demitido por esse motivo.

Sobre as testagens, a Anglo informou que iniciou um processo gradual e periódico de testagem de todos os seus empregados e os resultados – positivos ou negativos – são informados exclusivamente ao trabalhador, seu médico e às autoridades sanitárias, de forma a preservar o sigilo médico.

“Por dificuldades técnicas, ainda não estamos conseguindo que nossos empregados tenham acesso ao laudo dos exames, mas essa dificuldade deverá ser resolvida em breve”, justificou a empresa.

Prefeitura: medidas de prevenção precisam ser cumpridas

A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro afirmou que como se tratam de barreiras sanitárias, as medidas de prevenção estabelecidas pela Vigilância Sanitária precisam ser cumpridas. Conforme o decreto municipal 032/2020, a ordem é parar todos os veículos, preencher as notificações e aferir temperatura. “Ações que demandam tempo e paciência”, ponderou o Executivo.

“É importante ressaltar que todas as pessoas que entram na cidade, independentemente de trabalharem nas empresas, têm sua temperatura aferida, sendo essa uma medida de combate à proliferação da Covid-19, pois aqueles identificados com febre são encaminhados às unidades de saúde”, informou a Prefeitura.

Além disso, a Prefeitura afirma que está ciente do fluxo e aumento dos veículos nas barreiras e, por isso, aumentou o número de termômetros. Especialmente na barreira P2 (Serro) que dá acesso à mineradora, devido ao maior fluxo e trânsito no horário de pico.

Furo na quarentena

O município disse ainda que implantou medidas mais rígidas após receber denúncias de que funcionários das empresas que têm tentado burlar a quarentena. Estes estão vindo de outras cidades pelas estradas dos municípios do Serro e de Guanhães, parando em estacionamentos particulares nas imediações da mineradora.

“Esses funcionários pegam o ônibus interno das empresas e afirmam não terem saído da cidade, estando a trabalho no fim de semana. Inclusive, para não perderem os sete dias de serviço, ao cumprirem isolamento previsto para quem chega de outras cidades, os agentes à serviço da Prefeitura já registraram ocorrência de funcionários até mesmo dentro de porta-malas. O que justifica ainda mais as medidas efetivas das barreiras”, informou a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro

A Prefeitura ressalta que nos fins de semana, em todas as barreiras, o fluxo também aumenta. Logo, o engarrafamento é causado por aqueles que reclamam dele. Essa saída e entrada constante acaba trazendo a contaminação para o município. Se todos nós não saíssemos nos fins de semana não haveria engarrafamento e nem a proliferação da doença em Conceição do Mato Dentro.

Portanto, a Prefeitura reitera que a aferição de temperatura nas barreiras permanecerá para todas as pessoas que adentrarem no município, sendo elas funcionários das empresas, servidores públicos, moradores ou visitantes.