Retirada de cadeiras em alguns setores do Mineirão recebe aval em reunião
Vislumbram-se três benefícios principais com a criação do setor popular: redução do custo dos ingressos, maior liberdade para as torcidas e aumento da segurança

Deputados e representantes de torcidas organizadas e da diretoria do Cruzeiro apoiaram maciçamente a retirada de cadeiras nos setores Amarelo e Laranja do estádio do Mineirão, na Capital. Eles participaram de audiência pública da Comissão de Participação Popular nesta quinta-feira (29), que debateu a volta da “geral”, setor popular que era geralmente localizado em um dos lados dos estádios, na qual os torcedores assistiam aos jogos em pé, por um preço acessível.
A reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) atendeu a pedido do deputado Professor Cleiton (PV), que fez um resumo da questão e das soluções adotadas em outros estádios no País e no mundo, que podem ser repetidas pelo Gigante da Pampulha. O parlamentar lembrou que o encontro atende a pedido do movimento Amarelo sem Cadeira, que protesta com faixas no estádio desde o ano passado contra a colocação de assentos em todos os setores.
Para o deputado, vislumbram-se três benefícios principais com a criação do setor popular: redução do custo dos ingressos (em contraposição à adoção do padrão Fifa, a partir da qual os preços subiram consideravelmente); maior liberdade para as torcidas fazerem sua ‘festa” no estádio; e aumento da segurança para o público.
Nesse último quesito, o parlamentar justificou que muitos incidentes têm acontecido com cadeiras que são arrancadas e atiradas, machucando pessoas, além de gerarem prejuízo material. Ele informou ainda que em 2024, os 20 maiores clubes de futebol do Brasil obtiveram R$10,9 bilhões em receitas, com crescimento de 21% em relação ao ano anterior.
E avaliou que a retirada das cadeiras em vários estádios nacionais contribuiu para o aumento de público e de arrecadação. “Deixo aqui de público que estamos iniciando uma discussão, na qual tenho certeza que teremos êxito; temos deputados envolvidos nesta causa de popularizar o futebol; ‘Amarelo sem Cadeiras – setor popular já’”, concluiu.
Prejuízo com cadeiras
Concordando com o colega, o deputado Eduardo Azevedo (PL) diagnosticou que tem se espalhado pelo mundo o movimento de retirada das cadeiras no setor popular dos estádios. Em relação à segurança da iniciativa, ressaltou que foram retiradas cadeiras também em estádio de Dortmund, na Alemanha, país modelo em questões de segurança, segundo ele. Sobre os prejuízos com a quebra de cadeiras, destacou que, em 2022, 5.514 foram danificadas, o que representa mais de 100 cadeiras por jogo, totalizando R$ 417 mil de prejuízo. Apesar disso, considerou que não há impedimento financeiro para a Minas Arena, que administra o Mineirão, já que a concessionária recebeu do governo de Minas até 2022 mais de R$ 1 bilhão. “Estamos falando de um dos maiores estádios do mundo, que perdeu sua essência, desde sua concessão”, apontou.
Por sua vez, o deputado Bruno Engler (PL) disse ser o autor de projeto de lei que busca democratizar o acesso ao futebol. “Infelizmente, gourmetizaram os estádios, tornando os ingressos mais caros, dificultando o acesso; precisamos de mecanismos para facilitar o acesso ao Mineirão”, disse. Além disso, considerou que, normalmente, o torcedor gosta de assistir aos jogos em pé.
E lembrou que a Lei 23772, de 2021, que trata da disponibilização de setores sem cadeiras em estádios de futebol, estabelece o limite de 20% da capacidade do estádio para espaços sem cadeiras. “Mas podemos ter os setores amarelo e laranja sem cadeiras, o que ultrapassaria 20% do total; e isso facilitaria também para os clubes do interior”, justificou.
Também avaliando essa lei, o deputado Coronel Henrique (PL) afirmou que ela não proíbe a Minas Arena de retirar as cadeiras. “Lá na Arena MRV e no Independência já estão fazendo isso”, declarou. Ele se entusiasmou com o fato de um movimento que começou com as torcidas organizadas do Cruzeiro nos estádios ter reverberado e chegado à ALMG.
Presidente da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude, o parlamentar disse que avocará para si a relatoria de todas as matérias que venham a tratar desse tema na Casa. O deputado Alencar da Silveira Jr (PDT) deixou seu apoio à causa: “Já passou da hora de retirar as cadeiras; além de um conforto a mais, é uma economia e vai dar uma tranquilidade maior aos torcedores.”, analisou.
Retirada de assentos não torna estádio violento, diz especialista
Para Irlan Simões, jornalista e pesquisador do Observatório Social do Futebol, a retirada de cadeiras não vai tornar o estádio mais violento nem menos confortável, além de criar um benefício financeiro, pela redução do custo da manutenção de cadeiras.
Por outro lado, ressalvou que não se deve considerar o setor sem cadeiras como sendo o setor popular. “Por exemplo, há um setor sem cadeiras no estádio do Corinthians, mas foi a forma de concentrar as torcidas organizadas nesse setor; tirar assentos de um setor pode até gerar aumento de preço dos ingressos em outros”, refletiu.
Ainda na visão dele, o setor sem cadeiras não pode se tornar uma espécie de gueto e, em contrapartida, os preços dos outros setores serem aumentados. Lembrou que, antigamente, a maioria dos espaços dos estádios era destinada aos setores populares e hoje acontece o contrário. Por fim, defendeu que os clubes, para atingirem o torcedor jovem (que tem menos dinheiro), precisam melhorar o preço dos ingressos, sob pena de os estádios se esvaziarem cada vez mais.
Nessa linha, o analista social Diogo Silva, que está à frente do movimento Amarelo Sem Cadeiras, disse que a remoção dos assentos é primordial para reverter “o processo de gentrificação dos estádios por conta da Copa de 2014”. Concordou que houve mudança no perfil do público, antes popular e agora, mas elitizado.
“Com a Minas Arena, tudo ficou mais caro; e a nossa defesa é de um estádio mais democrático”, propôs.
Tragédia de Hillsborough
Éric Rezende, geógrafo da Prefeitura de Contagem, registrou que o modelo dos estádios brasileiros a partir da Copa de 2014 veio da Inglaterra, do começo dos anos 90. Esse modelo ganhou força após 95 torcedores do Liverpool serem mortos por pisoteamento e outros 766 ficarem feridos, no Estádio Hillsborough, em 1989, num jogo da equipe contra o Nottingham. Segundo o profissional, há uma tendência de reversão desse modelo de arenas, com a aparição de setores populares-festivos. “Vemos nos estádios do Grêmio e do Corinthians os setores populares sempre cheios, ao contrário de outros; que tenhamos mais estádios menos hostis à festa”, defendeu.
Também nessa perspectiva, Bruno Pereira, diretor regional da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), constatou que o setor amarelo do mineirão, o mais popular onde ficam as torcidas organizadas, é o primeiro a esgotar os ingressos. “Muitos não têm condições de pagar R$130 num ingresso”, reclamou ele, lembrando que antes as torcidas tinham salas disponíveis no estádio para guardar seus materiais. “Queremos de volta a nossa festa, com papel picado, fumaça. Hoje não pode mais nada”, criticou.
Concordando com a posição dos que o antecederam, Marcone Andrade, diretor de Marketing do Cruzeiro, disse que a medida atende ao público que frequenta o Mineirão, no qual oito espaços podem receber essas intervenções. Ele divulgou que o clube gasta cerca de R$ 00 mil com o pagamento de danos (no qual, o conserto de cadeiras é maioria) após cada jogo.
Também comemorou o fato de que já foi possível reduzir o valor de ingresso, com a correspondente redução de alguns custos operacionais da Minas Arena. “No setor amarelo, o preço mínimo é de R$30, o que não cobre o custo operacional do jogo, mas sem as cadeiras, esse custo será menor”, apontou. Completou que os setores amarelo, com 13 mil lugares e laranja, com outros 13 mil, seriam passíveis de remoção das cadeiras, totalizando 40% dos lugares.
Engenheiro pondera a necessidade de observar questões de segurança
Em contraponto às falas, Gustavo Antônio da Silva, presidente da Associação Mineira de Engenharia de Incêndio (Amei), ressalvou ser necessário atentar para questões envolvendo segurança de estádios, legislações municipal e estadual, normas da ABNT e normas internacionais. Engenheiro eletricista, civil e de segurança do trabalho, avaliou que o estádio é um local para frequentar com a família e voltar para casa com segurança.
Sobre a limitação de 20% do total para espaços sem cadeiras, o profissional disse que ela também consta de norma do Corpo de Bombeiros Militar (CBM). Ele ainda aventou a necessidade de colocar barreiras contra esmagamento caso sejam retiradas cadeiras do Mineirão. E lembrou que após a mudança, outras adequações serão necessárias, pois haverá buracos e parafusos antes utilizados, os quais poderão gerar acidentes.
“Temos que fazer análise de risco para prever, por exemplo, o número adequado de saídas de emergência, pois se houver um problema numa portaria, as outras vão conseguir dar vazão em uma situação de pânico?”, questionou. Acrescentou que modificações em uma arquibancada vão redundar em recálculo de altura, inclinação e dimensões, o qual terá que ser aprovado pelo CBM. “Ofereceram o padrão Fifa e o Brasil concordou; agora, estamos discutindo esse legado da Copa, propondo mudar, mas de que forma?”, indagou.
Jacqueline Alves, diretora da Minas Arena, contou que a empresa já contratou um consultor para estudar as modificações sugeridas. E também revelou sua preocupação com a segurança, em primeiro lugar, e também com a viabilidade econômica: “Quanto vai custar retirar cadeiras agora, depois voltar com elas para a Copa do Mundo Feminina, em 2027, e removê-las de novo?”, perguntou.
Sílvia Lage, superintendente de Governança e Gestão da Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), afirmou que o papel do órgão era mais ouvir, para levar ao contrato toda a segurança técnica e jurídica. “A retirada de cadeiras vai gerar mudança nos projetos arquitetônico e de engenharia; e temos que avaliar os custos; e só após estudos técnicos e negociação entre as partes, vamos poder agir”, concluiu.