Retrato de uma cidade que os cínicos escondem
Água, barulho, barragens, buracos, compromissos, dengue, drogas, educação, festas, fuga, futuro, noção, pobreza, politicagem, racismo, rota, saúde, seca, trânsito, violência — Itabira está dentro de tudo isso
Os substantivos acima descritos representam apenas palavras-chave, fator que interessa no momento. Então, por enquanto, conheça a Itabira sonhada. Do poeta Carlos Drummond de Andrade; e dos escritores e historiadores João Camilo de Oliveira Torres, João Camilo de Oliveira Penna e Luís Camilo de Oliveira Netto.
Da modelo internacional Ana Beatriz Barros; da líder comunitária Margarida Silva Costa; da esquecida literata itabirana-internacional Denise Félix; e de dezenas de outras celebridades, cujos nomes não caberiam nesta página. Visite a terra descrita no subtítulo também chamado “bigode”.
“Tô nem aí!”
Não precisava encomendar pesquisa alguma. Qualquer lambedor de rapadura enxerga a realidade na fumaça dos veículos e da poeira fartamente distribuída pela mineradora Vale. Algum segmento da população nem se importa com emanações e doenças respiratórias. Tiram de letra em penúria terrestre ou na paz do cemitério. Quantos se foram?
A super Vale abriu, definitivamente, o bico sobre sua despedida: “Estamos em processo de ‘fechamento de mina’; entenderam?”. Mas de nada adiantou tocar no assunto, o povinho e o povão nem estão aí. Ou não entendem que a gana que “corre” hoje, na cidade, está, assim como as barragens, em processo de “secamento”? Imbecis também são cegos?
O termo técnico é “descomissionar”, o mesmo que um adeus ao Sistema Sul, especificamente a Itabira. Hora de o prefeito assinar um decreto peculiar, pelo menos “estado de emergência” light. Com mais coragem, um outro ferrenho, cabe já e já: “calamidade pública”. A união da cidade em prol do futuro, cadê? Alguém vê e não fala? Acordai, itabirano, o ciclone vem com fúria sobre nós.
Siderúrgica surrupiada
Falar das riquezas arrancadas do solo itabirano é até humilhante, verdadeiro surrupio da mineração de ferro na construção do gigantismo do Brasil e, principalmente, de Itabira e do Sudeste. Redundância cansativa anotar o que disseram testemunhas que percorreram o Brasil, fazendo levantamentos a partir da constatação anunciada, como da Suécia, em 1910: “Itabira é proprietária da maior reserva de hematita do mundo”.
A voz que surge nestes momentos finais acende a chama do fim e pronuncia com nitidez profunda a frase fatídica: “O minério acabou”. Vão exumar o corpo de Percival Facquar para nos ensinar lições econômicas? Esse, apesar de tudo, queria a CSN em Itabira e não em Volta Redonda. No Estado do Rio, Getúlio mandou instalá-la para beneficio de seu genro, Amaral Peixoto. Imaginem o desvio de nosso futuro ter sido traçado ao redor de um fogão a lenha familiar!
Começo do fim
Para imprimir um ponto final em simples exposição de ideias, repito um exemplo de realização internacional que não deu certo ainda. A Alemanha, com 357.592 km² de extensão territorial e população de 83,2 milhões de habitantes (2021), vive terrível crise porque foi extinta no papel a extração de carvão, que proporcionava (ou voltou a proporcionar?) significativa arrecadação pública ao país.
Em dez minutos de comparações, saberemos que se o milagre não ocorre na velha Germany, o que será de Itabira? Se voltássemos ao ano de 1942, haveria, sim, algo bom, esses 112 mil habitantes de agora estariam espalhados por outras plagas pouco agressivas.
Todas as cidades do mundo nasceram do vil metal e nenhuma criou uma cultura econômica básica em menos de meio século. Estamos a 21 anos do “Itabira end” e cometendo bobeira em cima de besteira, vendo o populismo reinar num falatório sem fim. O negócio é o seguinte: se não tomarmos vergonha na cara, vamos comer o pão amassado pelo demônio. Que Deus nos salve!