São Gonçalo: Moradores denunciam violência policial durante cumprimento de liminar em benefício da Vale
A PM usou a força do seu efetivo para cumprir uma decisão judicial obtida pela mineradora Vale em um terreno onde ela é proibida de minerar
Moradores da comunidade de Vargem da Lua, em São Gonçalo do Rio Abaixo, relataram ter sofrido ”abuso de autoridade, truculência e uso excessivo da força por parte da Polícia Militar’’ durante o cumprimento de uma decisão judicial na localidade. Tal liminar foi obtida pela mineradora Vale para acessar o terreno, que não a pertence e onde há determinações legais que proíbem a mineração no local.
‘‘A Vale usou de força policial para vir aqui coagir a população e entrar em nossas terras. Estava todo mundo atrás da cerca, ninguém reagiu contra a Polícia. Só não queríamos deixar o pessoal da Vale entrar em nosso terreno’’, disse uma moradora que preferiu não ser identificada. Segundo ela, a Polícia Militar atirou bombas de gás lacrimogêneo e disparou balas de borracha em direção aos manifestantes, onde haviam crianças, mulheres e idosos. Um manifestante foi preso por desobediência e outras duas pessoas foram levadas ao hospital.
A liminar concedida à Vale foi obtida na Comarca de Santa Bárbara pelo juiz em substituição, Luiz Henrique Guimarães de Oliveira. O processo correu em segredo judicial e permitia que funcionários da empresa acessassem uma adutora para fazer manutenções. Segundo as reclamações, como o imbróglio entre mineradora e comunidade já ocorre há cerca de 15 anos – e desde 2012 existe uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que proíbe as atividades da Vale na localidade -, os moradores não quiseram permitir o acesso e a Polícia Militar usou a força do seu efetivo para se fazer cumprir a decisão da liminar.
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De acordo com as denúncias, os policiais impediram por alguns momentos a passagem de uma ambulância que foi prestar socorro a moradores atingidos pelos disparos e que tiveram a saúde afetada pelo gás. Uma mulher, inclusive, chegou a desmaiar por uns minutos. ‘‘Só esse mês já é a segunda vez que tentam entrar em nosso terreno’’, disse a moradora, afirmando que na semana anterior a comunidade ‘‘conseguiu impedir uma ordem judicial que não tinha valor’’.
Na avaliação do advogado da comunidade, o senhor Leandro Viana, ontem (11) a Polícia Militar agiu com abuso de autoridade, truculência, excesso de força e prevaricação, pois ‘‘para cumprir a ordem do juiz de Santa Bárbara, que foi dada por um juiz substituto de outra Comarca, ela descumpriu as ordens do Tribunal.’’
‘‘Em síntese, a VALE usa a Polícia Militar como escudo para acobertar suas irregularidades. A atitude da Polícia Militar foi desproporcional e abusiva, agindo como se fosse segurança da Vale. E porque afirmo isso? Porque a Polícia Militar não tem a mesma diligência quando a comunidade os aciona contra a mineradora. A Polícia Militar não está cumprindo seu dever legal de fiscalizar a Vale para não entrar na comunidade Vargem da Lua. Ou seja, não está obedecendo a ordem do Desembargador do TJMG.’’
O advogado explica que em 2012 foi dada uma decisão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que impedia a Vale de exercer qualquer atividade dentro da comunidade Vargem da Lua. ‘‘Acontece que a mineradora nunca cumpriu e continuou minerando ilegalmente. Em 2015 e 2016 houve uma perícia judicial, homologada pela Justiça em primeira instância e ratificada pelo Tribunal, confirmando que a Vale minerou ilegalmente em mais de 34 hectares das terras da comunidade.’’, disse.
Ainda segundo Leandro, de 2020 para cá, foram dadas várias decisões no Tribunal de Justiça proibindo a mineradora de entrar na área da matrícula 7338 (Vargem da Lua). ‘‘As decisões contra a VALE não são cumpridas, mesmo a gente denunciando isso para o juiz de Santa Bárbara. Existe uma desproporcionalidade enorme em favor da Vale. Uma verdadeira covardia.’’
A respeito da liminar, Leandro foi categórico ao dizer que a mineradora ‘‘cria novas ações para tentar driblar as ordens judiciais já estabilizadas e tentar enganar o juiz da Comarca de Santa Bárbara’’ e que isso geralmente ocorre quando se troca de juiz: ‘‘O que infelizmente acontece muito em Santa Bárbara.’’.
O que diz a Vale?
Procurada pela DeFato, a mineradora afirmou que vinha tentando desde a última semana dialogar com a comunidade para realizar os trabalhos de forma pacífica. Segundo a Vale, as manutenções na adutora se deram por vandalismo.
Confira na íntegra o comunicado enviado pela assessoria de comunicação da Vale
A Vale esclarece que vem tentando, desde a semana passada, dialogar com a comunidade para realização de forma pacífica dos reparos necessários em 4 válvulas da adutora de captação de água para as operações da mina Brucutu, que foram danificadas por terceiros. A manutenção realizada nesta segunda-feira cumpriu decisão judicial em vigor, conforme previsto em lei para garantia da ordem. A empresa reafirma o seu compromisso com o diálogo com a comunidade e com a segurança das pessoas, das suas operações e do meio ambiente, apoiando incondicionalmente os esforços para buscar uma solução pacífica para a situação.
O que diz a Polícia Militar?
A DeFato procurou o 26º Batalhão da Polícia Militar para responder às reclamações feitas pelos moradores da comunidade Vargem da Lua, que denunciam possíveis abusos de autoridade, truculência e uso excessivo da força pela PM. Em sua nota oficial, a Polícia informou que ‘‘se fez necessário o uso moderado e proporcional da força’’, desde a negociação até a utilização de Instrumentos de Menor Potencial Ofensivo para dispersar os manifestantes e garantir o cumprimento do Mandamento Judicial.
A PM também informou que ‘‘na mesma data houve uma reunião do Magistrado com a defesa de ambas as partes’’, onde tentou-se mediar um acordo, mas sem obter sucesso. No entanto, a PM não se posicionou diretamente diante das queixas de truculência e atitude desproporcional com a comunidade. Outro ponto que não se teve resposta, tratava das queixas de que os policiais não prestaram socorro e proibiram o acesso de paramédicos para o atendimento das pessoas.
Confira na íntegra a nota enviada pela Agência Local de Comunicação Organizacional do 26º BPM
No dia 11/09/2023, em São Gonçalo do Rio Abaixo, a Polícia Militar de Minas Gerais foi acionada para garantir o cumprimento de uma decisão judicial exarada pelo MM. Juiz de Direito atuante na Comarca de Barão de Cocais, o qual autorizou a manutenção na adutora para captação e booster do Rio Santa Bárbara, considerando que havia três válvulas necessitando de reparo. A ordem judicial outorgava o uso de força policial caso fosse necessário.
Em razão de haver litígio em andamento entre a empresa e a comunidade local, conhecida como Vargem da Lua, a PMMG compareceu à localidade onde os manifestantes se recusavam a obedecer à ordem judicial. Nesse ínterim, se fez necessário o uso moderado e proporcional da força, que foi desde a negociação até a utilização de Instrumentos de Menor Potencial Ofensivo para dispersar os manifestantes e garantir o cumprimento do Mandamento Judicial com o mínimo de dano possível para a comunidade.
No lugar onde se deram os fatos, frisa-se, os diálogos com os representantes da comunidade – em torno de 30 a 40 moradores – duraram cerca de 1h30min, em uma tentativa de cumprimento da determinação sem a utilização de força.
Registra-se, ainda, que na mesma data houve uma reunião do Magistrado com a defesa de ambas as partes, oportunidade em que se tentou mediar um acordo, contudo sem sucesso.
Ao final, houve a condução de um manifestante preso por desobediência e outras duas pessoas foram levadas ao hospital após alegarem terem sentido os efeitos de agentes químicos.