“Se eu fechar os olhos, só consigo pensar nos tiros do meu lado”. Itabiranos relatam horror vivido no Areão
Homicídio registrado no encerramento do Festival de Inverno causou apreensão em muita gente
Medo, pânico, revolta e insegurança. Estes são alguns dos sentimentos divididos por diversos itabiranos que estiveram ontem, na Praça do Areão, no encerramento do 48º Festival de Inverno de Itabira. Pouco antes da principal atração da noite, o show da cantora Maria Gadú, um jovem de 18 anos foi assassinato no local do evento. Apesar da artista ter se apresentado normalmente, o ocorrido assustou, e ainda assusta, várias pessoas, que viram um momento de descontração virar uma história de horror.
Pesadelo sem fim
Estudante de Relações Humanas, Maria Gabryelle se diz “traumatizada”. Ela passava próxima ao local do crime quando ele ocorreu. Segundo a jovem, sua única reação no momento foi correr desesperadamente. Para piorar, a paraibana, moradora de Itabira desde 2020, se perdeu das amigas que a acompanhavam. Ela relembra o ocorrido.
“Acabei me perdendo das minhas amigas, porque estávamos em grupo, logo depois tive uma crise de ansiedade, foi impossível ficar tranquila. Até o momento não estou bem, meu psicológico está muito abalado, estou bem traumatizada, na verdade. Nunca imaginei passar por isso, por ter sido bem próximo. Foi uma noite muito esperada por mim, então foi bem difícil. Meu principal temor naquele momento era ser atingida por uma bala perdida, ou algum amigo meu (ser atingido)”, relata.
Horas depois do assassinato, Maria ainda se diz muito abalada. Segundo ela, o simples ato de fechar os olhos a faz reviver o pesadelo pelo qual nunca imaginou passar.
“Estou muito abalada, tive uma noite péssima, não consegui dormir, tive crises de ansiedade, vários pesadelos. Se eu fechar o olho, só consigo pensar nos tiros dos meus lados, o pessoal correndo do meu lado, eu estava passando próximo (do local) no exato momento. Na hora que perdi minhas amigas, fiquei com medo (do tiro) de ter atingido elas. E por eu estar correndo, fiquei com medo de até pegar em mim, estou literalmente traumatizada. A palavra que define é trauma.”
Por fim, a estudante de 23 anos afirma estar indignada com a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), organizadora do evento, pelo show ter sido realizado, apesar do crime. Em entrevista à DeFato, o superintendente da entidade, Marcos Alcântara, disse se tratar de um “fato isolado”.
“Acho uma falta de respeito e responsabilidade com a população o show ter continuado. Não sabemos o que se passa na cabeça dessas pessoas, poderiam muito bem voltar ali e fazer outras coisas e atingir inocentes. Também uma falta de empatia com a família da vítima. O show poderia ser remarcado para um local onde a população pudesse estar em segurança. Em um momento como esse, pessoas com o psicológico extremamente abalado, passando mal, e o show continuar? É uma vergonha, literalmente. Reitero aqui minha total indignação com a Fundação Carlos Drumond de Andrade”, protesta.
Sem clima
Outro a comparecer à Praça do Areão, Lucas Fernandes optou por ir embora após o homicídio. O estudante também estava próximo ao local do crime e ressalta que seu principal temor no momento era ser vítima de uma bala perdida. Ele critica uma suposta negligência nas medidas de segurança para o evento, além de frisar que o show da cantora Maria Gadú deveria ter sido cancelado.
“Na minha opinião, a culpa é dos organizadores do show, pela precariedade de segurança. Em tantas outras cidades, para entrar em qualquer evento a pessoa tem de passar por uma vistoria e pelo detector de metais”, critica o jovem.
Estudante do ensino médio, Davi Rodrigues relata não ter conseguido ficar tranquilo desde o momento do crime, receoso de que ocorressem novos desdobramentos, como uma vingança. Sua reação, afirma, foi um misto de medo e incredulidade.
“A reação foi de espanto, sempre fica aquele pensamento ‘não é possível que executaram o cara no meio do festival ali’. Mas a primeira coisa que eu fiz foi sair andando logo que ouvi os tiros, já puxei os dois amigos que estavam comigo e descemos”, comenta.
Além da sua própria segurança, o itabirano também se disse preocupado com seus familiares, também presentes no local. “A primeira coisa que você pensa são nos seus familiares, né. Então meu maior temor foi de ter acontecido alguma coisa com eles, já saí ligando pra todo mundo”.
Tragédia anunciada
Em depoimento à DeFato, uma influenciadora itabirana, que preferiu não se identificar, enfatiza que já havia percebido falhas de segurança no show da banda Lagum, há 15 dias, pelo mesmo festival. Ela também comenta sobre o caso deste domingo, definido como “desesperador”.
“Foi o segundo show que fui durante o festival. E no primeiro, da banda Lagum, eu já havia comentado/observado que tinha pouco policiamento, principalmente dentro da praça. Ontem, no show da Maria Gadú, quando ocorreu o assassinato, eu não estava próximo de onde teve os tiros, e nem ouvi os disparos. Só percebi que aconteceu algo quando fui arrastada pela multidão, arrastada mesmo. Todo mundo correndo e empurrando em pânico. Não tinha saída, porque fomos sendo empurrados para o lado das barraquinhas, foi desesperador, só fiquei imaginando se eu caísse. Um monte de criança se perdeu dos pais, perderam bolsa”, confidencia.
Somam-se à experiência vivida pela influenciadora, outros relatos recebidos por ela em suas redes sociais. “Quando me posicionei sobre o ocorrido e como eu me senti, assustei com tantos relatos. Gente que viu, gente que estava com criança ao lado de onde ocorreram os disparos, gente que teve crise de pânico, que passou mal. Todo mundo assustado e horrorizado tanto com os tiros, quanto com o arrastão”.
Outra a se posicionar contra a realização do show, a itabirana acusa a organização do Festival de Inverno de banalizar o assassinato ocorrido em meio à multidão.
“Independente de quem fosse o jovem que mataram, era uma vida. Foi no meio de todo mundo, gerou uma confusão generalizada, achei uma falta de respeito e empatia com a família do jovem! Continuaram o evento como se nada tivesse acontecido. Banalizaram totalmente o assassinato”, protesta.
Uma mulher, que também pediu para não ser identificada, viu sua filha, de apenas 11 anos, passar por uma crise de ansiedade durante o tumulto. A ajuda veio de amigos e funcionários da Fundação, que não são da área médica.
“Minha filha teve uma forte crise de ansiedade, que só ia crescendo à medida em que os fatos ocorriam. Porém, não havia uma estrutura médica adequada para atendê-la. Acredito que várias outras pessoas tenham passado pelo mesmo problema. Só consegui controlar minha filha com a ajuda de uma amiga e uma funcionária da FCCDA”.
O que diz a Fundação
Responsável pelo evento, a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) emitiu, ainda na noite deste domingo, uma nota oficial sobre o caso. Confira o comunicado logo abaixo.
“A Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) lamenta a ocorrência policial ocorrida na noite deste domingo (17), na Praça do Areão, durante o encerramento do 48º Festival de Inverno de Itabira.
A FCCDA, sempre atenta à segurança da população e após a manifestação de manutenção do policiamento pela Polícia Militar no intuito de garantir a segurança dos participantes, tomou a decisão de continuar o evento, com apresentação da cantora Maria Gadú.
O evento contava com amplo efetivo da Polícia Militar, seguranças particulares, brigadistas e ambulâncias, seguindo todo protocolo para eventos desse porte.
Vale ressaltar que durante os 22 dias de festival não foram registradas ocorrências policiais nos locais em que ocorreram os eventos.”
Sobre o crime
A vítima do homicídio é Marcelo Marques Fonseca, de 18 anos. Ele chegou a ser socorrido por uma equipe de bombeiros civis que trabalhava no local, sendo encaminhado para o Pronto-Socorro Municipal de Itabira (PSMI), mas não resistiu aos ferimentos.
Segundo informações, os policiais que estavam nas imediações escutaram cerca de quatro disparos de arma de fogo e viram várias pessoas saindo correndo do evento. Os militares, ao verificarem a situação, se depararam com a vítima caída ao lado da Maria Fumaça da Praça do Areão. Até o momento não há nenhum suspeito preso e nem informações oficiais sobre a motivação do crime.