Seis meses de tensão, medo e doenças: a luta de Barão de Cocais para superar os danos mentais da “lama invisível”

Município registrou aumento de 50% na procura por atendimentos psicológicos e psiquiátricos pelo SUS desde fevereiro, quando a sirene da mina do Gongo Soco tocou em alerta de risco iminente de rompimento

Seis meses de tensão, medo e doenças: a luta de Barão de Cocais para superar os danos mentais da “lama invisível”
Ivanilde e Jacinto passaram a tomar medicamentos controlados com a tensão que se abateu em Barão de Cocais

A população de Barão de Cocais, localizada a 90 km de Belo Horizonte, vive há seis meses o drama causado pelo risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco, sob responsabilidade da mineradora Vale. O aumento de 50% na procura por atendimentos psicológicos e psiquiátricos pelo SUS têm levantando a preocupação do município quanto a demanda e se prepara para a contratação de novos profissionais.

Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, a busca por atendimentos tem crescido de forma gradual, tendo como gatilhos as marcantes atualizações sobre o estado da estrutura atualmente comprometida. Responsável pela pasta, Joseane Batista de Almeida falou à DeFato Online sobre os impactos da “lama invisível” – o temor de um eventual rompimento da barragem tem causado à saúde mental dos 32 mil moradores de Barão de Cocais.

Em um primeiro momento, a preocupação foi despertada quando a sirene tocou, em 8 de fevereiro, obrigando em torno de 400 pessoas das comunidades de Socorro, Piteiras, Tabuleiro e Vila do Gongo, consideradas Zonas de Autossalvamento (Zas), a abandonarem suas casas.

A tensão se agravou no município no dia 22 de março, quando a Agência Nacional da Mineração (ANM) elevou o nível da estrutura para 3, o maior da escala, indicando risco iminente de rompimento. Quase 6 mil cocaienses, moradores das Zonas de Segurança Secundária (Zss), passaram para estado de alerta, uma vez que, caso a represa de rejeitos entre em colapso, a lama leva, segundo estimativa da Defesa Civil, 1h12m para chegar ao primeiro bairro da cidade.

“Os reflexos não vieram com as 400 pessoas que foram desalojadas nas Zas e muito menos 6 mil pessoas que estão nas Zss. São 32 mil pessoas que foram impactadas direta ou indiretamente, porque ou você conhece alguém que mora em uma dessas áreas ou tem algum parente, ou um filho que estuda em uma escola localizada na zona secundária”, relatou Joseane.

O auge da procura por ajuda veio com o anúncio da Vale, no dia 13 de maio, de que um Talude na cava norte, localizada a 1,5 km de distância da barragem Sul Superior, estava se movimentando consideravelmente e sua queda poderia causar um abalo sísmico, culminando no rompimento da barragem. Posteriormente, no dia 16, quando a mineradora estipulou um possível prazo para que o paredão viesse abaixo, dentre os dias 19 e 25 do mesmo mês.

A secretária de saúde, Joseane de Almeida

“A indisposição geral e o considerável adoecimento da população veio quando a Vale anunciou que o talude estava cedendo e deu uma ‘bendita’ data em que ele iria cair, com risco de a barragem se romper. Essa foi a pior semana que nós já vivemos. Tanto para a população quanto para a saúde. O hospital recebia seguidos casos de pessoas com crises de ansiedade e crises hipertensivas”, conta a secretária. 

Joseane lembra ainda sobre a importância da ação do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (Nasf) nas demandas da cidade. “Antigamente, as pessoas não procuravam o Caps, por exemplo, porque tinham uma visão deturpada do centro. Agora a população está deixando a ideia de que os serviços são apenas para cidadãos com patologias mentais e buscando a manutenção e o equilíbrio pessoal”, finaliza.

Procura por ajuda

O bairro Vila São Geraldo foi por um ano o lar do casal Ivanilde Coelho e Jacinto Oliveira. Nascidos em Ipatinga, se mudaram para Barão de Cocais em 2018 motivados por uma oportunidade de emprego. Em maio deste ano, no entanto, o conforto e a estabilidade de Ivanilde e Jacinto foram alterados. 

Considerada área secundária de risco, a Vila São Geraldo se encontra na rota da lama e os moradores do local passaram por treinamentos de evacuação para deixarem suas casas em uma situação de ruptura da barragem. 

Aos 45 anos, Ivanilde estava ciente da situação vivenciada pelo município, mas foi com a instabilidade do talude que sua saúde mental entrou em colapso. No dia 24 de maio, a partir de um laudo psiquiátrico, Ivanilde e o marido deixaram a casa e foram morar em um hotel em Santa Bárbara, a 12 km de Barão de Cocais.

O medo e a espera pelo pior levou Ivanilde a desenvolver um quadro agudo de ansiedade e síndrome do pânico. Ainda abatida, a dona de casa conta que foi necessária a procura imediata de um psiquiatra. “Eu estava me automutilando. Sentia uma tristeza chegando, tudo se apagava da minha cabeça e eu recobrava a minha consciência completamente machucada. Se não tivesse procurado ajuda, não sei onde teria chegado”, relata.

Ivanilde faz atualmente o uso constante de remédios para depressão e ansiedade

Ao lado da esposa, Jacinto, que está afastado do trabalho com problemas de saúde, se emociona ao recordar os dias de angústia. Ele conta: “Eu estava fazendo um tratamento para a coluna na época, mas parei para voltar a atenção e os recursos financeiros para ela. Naquele momento, era a única coisa que me importava. Tive muito medo mesmo. Por mês, chegamos a gastar R$ 700 com os medicamentos”.

Atualmente, Ivanilde faz uso regular de três medicamentos indicados pelo psiquiatra e faz sessões de terapia duas vezes ao mês com uma psicóloga. O acompanhamento é feito integralmente pelo Caps de Barão de Cocais. Ainda não há previsão para o término do tratamento de Ivanilde.