Sem Drummond, Itabira não passaria de uma aldeia

O brilho de Itabira vem de Drummond, não da reprodutora de cavas e pilhas. E fica aqui a sutil e oportuna pergunta: caso não houvesse Mato Dentro, a Vale existiria?

Sem Drummond, Itabira não passaria de uma aldeia
Foto: Gustavo Linhares/DeFato Online
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O título acima remete a um dos momentos mais patéticos da história da terra do Poeta Maior. Vamos viajar no tempo. Faz bem à saúde espiritual. Corria o ano de 1999. Itabira se preparava para o primeiro processo eleitoral do século XXI. No ano seguinte, haveria eleições para prefeito e vereadores. Jackson de Pinho Tavares (PT) tentaria se manter na principal cadeira do icônico terceiro andar da prefeitura. O “companheiro” enfrentou alguns transtornos no decorrer do mandato. E pior. A estratégia administrativa do seu governo não rende votos. O petista priorizou o investimento na cultura. Esta opção, infelizmente, se torna irrelevante num país periférico. O alvo preferencial, então, foi o resgaste à memória de Drummond. E fez muito. São de sua lavra o Museu de Território Caminhos Drummondianos e o Memorial Carlos Drummond de Andrade, uma criação do arquiteto Oscar Niemeyer.

No ano derradeiro do governo (ao apagar-se das luzes), o líder trabalhista percebeu a necessidade de incensar o imaginário popular com a realização de uma grande obra urbana. Os itabiranos tradicionalmente adoram esta patuscada. Os chefes do Executivo daqui sempre deixaram uma “pirâmide” para a posteridade. E Jackson não perdeu tempo. Partiu em busca do recurso financeiro para alimentar o sonho faraônico da população.  Então, a Vale nossa de cada dia apareceu no meio do caminho e topou satisfazer o desejo do ansioso mandatário. Com isso, Tavares não só tentaria fechar com chave de ouro a sua gestão como pavimentaria os atalhos para a reeleição. O governante decidiu canalizar o início do terrível ribeirão do bairro Praia. O pequeno curso d´água era um paraíso de urubus. Nasceu, desta forma, a avenida Cristina Gazire, uma mina de votos. Tudo caminhava como planejado. O pleito parecia no papo.

A verba da exploradora de minério foi anunciada com pompa e circunstância. E tomem foguetórios e banda de música. Os “mais pequenos” se empanturraram de algodão-doce, guaraná e pão com salame. Festa no interior. O presidente da mineradora — o intelectual Jorio Dauster — foi recebido como uma estrela da Broadway. E, neste instante, acontece a contextualização do título da crônica. Entusiasmado com a merreca injetada nos cofres públicos do município, o dirigente da multinacional brasileira fez apoteótico discurso no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Eufórico, não se conteve e disparou na cara dos perplexos (ou inocentes) itabiranos: “caros senhores, se não fosse a Vale, Itabira não passaria de uma aldeia”. Silêncio profundo. Alguns burocráticos sorrisos amarelos ilustraram os rostos dos políticos.

O visitante se esqueceu de que o “lugarejo” é berço do maior talento da poesia brasileira. O brilho de Itabira vem de Drummond, não da reprodutora de cavas e pilhas. E fica aqui a sutil e oportuna pergunta: caso não houvesse Mato Dentro, a Vale existiria?

Mas não se importe com a fugaz desfeita. Itabira continuará sempre culturalmente exuberante porque Drummond não dá duas safras, mas é eterno. No final das contas, até imaginei outro título para esta abobrinha: sem Drummond, Itabira seria a “cidadezinha qualquer”.

Sobre o colunista

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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