Vale é a maior beneficiada por sonegação de R$ 16 bilhões no setor de mineração, aponta TCU
A mineradora Vale aparece como a principal beneficiada, deixando de pagar R$ 2,86 bilhões em créditos prescritos
O Brasil deixou de arrecadar cerca de R$ 16,4 bilhões em impostos da mineração nos últimos oito anos devido à falta de fiscalização e falhas no sistema de cobrança, segundo um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU). A mineradora Vale aparece como a principal beneficiada, deixando de pagar R$ 2,86 bilhões em créditos prescritos.
De acordo com o TCU, essa quantia poderia ser destinada a áreas como saúde e educação públicas. O valor sonegado equivale a cerca de 55% do déficit primário previsto pelo governo para este ano, estimado em R$ 28,3 bilhões. O órgão destacou que a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), o principal tributo do setor, depende quase exclusivamente da boa-fé das mineradoras, uma vez que a fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM) é insuficiente.
Falhas na fiscalização e prejuízos bilionários
O relatório aponta que a ANM, responsável por fiscalizar o setor, realizou apenas 173 fiscalizações em 2019, uma queda de 92% em relação a 2014, quando foram feitas 2.184. Além disso, o TCU revelou que cerca de 70% dos mais de 30 mil processos de mineração ativos entre 2017 e 2022 não pagaram a CFEM de forma espontânea.
Entre 2014 e 2021, aproximadamente R$ 12,4 bilhões em tributos deixaram de ser arrecadados. Outros R$ 4 bilhões foram perdidos devido à prescrição de créditos entre 2017 e 2021, com o risco de mais R$ 20 bilhões serem prescritos, uma vez que a ANM não adotou as medidas necessárias para sua cobrança.
Estrutura sucateada da ANM
A falta de servidores e estrutura adequada na ANM é apontada como uma das principais causas do problema. O órgão perdeu 41,9% do seu quadro de pessoal nos últimos 13 anos, passando de 1.196 para 695 servidores. Atualmente, a equipe responsável pela análise de processos de cobrança de CFEM é composta por apenas seis servidores, insuficiente para lidar com cerca de 12 mil processos em aberto.
Segundo Maurício Ângelo, diretor do Observatório da Mineração, o problema da ANM é histórico e se agravou após sua transformação em agência reguladora em 2017, herdando uma estrutura deficitária do Ministério de Minas e Energia. “O País deixa de arrecadar bilhões sistematicamente porque a ANM não tem equipe e estrutura adequadas, além de não ter independência das mineradoras, que fazem lobby para não pagar os valores devidos”, afirmou.
Benefícios à Vale
O TCU destacou que a Vale foi a principal beneficiada pela falta de fiscalização, com um total de R$ 2,86 bilhões em tributos prescritos. Apenas em 2023, a mineradora reportou um lucro líquido de R$ 39,9 bilhões. O ministro do TCU, Augusto Nunes, criticou as práticas usadas para burlar a fiscalização, como falsificação de notas fiscais e mistura de minérios extraídos ilegalmente com cargas legalmente exploradas.
A falta de fiscalizações in loco, que permitiriam a identificação de inconsistências nos livros fiscais e no processo produtivo, também foi apontada como uma falha grave. O TCU alertou que o fortalecimento da estrutura da ANM, com mais recursos humanos e tecnológicos, poderia trazer benefícios financeiros consideráveis ao Brasil.
Próximos passos
O Tribunal determinou que a ANM apresente, em até 60 dias, um plano de ação para implementar um sistema de arrecadação e cobrança eficaz. O governo federal, por meio dos ministérios de Minas e Energia e da Gestão e Inovação, também foi alertado sobre a necessidade urgente de modernização da agência.
A reportagem procurou a ANM, a Vale e o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para comentarem o caso, mas não obteve respostas até o momento.