Vale sabia de riscos da barragem em Brumadinho e se omitiu, diz MP

Dezesseis pessoas, entre funcionários da mineradora e da alemã Tüv Süd, além das próprias firmas, foram indiciadas por homicídio doloso e crimes ambientais

Vale sabia de riscos da barragem em Brumadinho e se omitiu, diz MP
Promotores apresentaram denúncia contra 16 pessoas por crimes em Brumadinho – Foto: Reprodução/Instagram MPMG

Denúncia oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) nesta terça-feira (21) aponta que a Vale tinha conhecimento dos riscos da barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho há, pelo menos, dois anos antes da tragédia. Promotores que participaram da força-tarefa para apurar a tragédia afirmam que a empresa se omitiu. Dezesseis pessoas, entre funcionários da mineradora e da alemã Tüv Süd, além das próprias firmas, foram indiciadas por homicídio doloso e crimes ambientais.

De acordo com as investigações, ao menos desde 2017, a barragem em Brumadinho já apresentava situação crítica para riscos geotécnicos. Em 2018, outras anomalias se seguiram, aprofundando a situação de emergência da barragem. Os principais modos de falha com análises de estabilidade em valores inaceitáveis de segurança eram erosão interna e liquefação, ambas relacionadas com problemas de drenagem interna da barragem.

Segundo o MPMG, as apurações demonstraram que a Vale detinha internamente diversos instrumentos que garantiam um profundo e amplo conhecimento da situação de segurança de suas barragens. Entretanto, de forma sistemática, ocultava essas informações do Poder Público e da sociedade, incluindo investidores e acionistas da empresa. “A Vale constituiu internamente verdadeira ‘caixa-preta’, consistente em estratégia corporativa de manter sigilosamente informações sobre riscos geotécnicos inaceitáveis de barragens de rejeito”, afirma a força-tarefa.

Compartilhamento de informações

Na denúncia, os promotores de Justiça descrevem práticas e instrumentos de gestão de informação da Vale, que foram relevantes para o amplo conhecimento interno do risco geotécnico inaceitável e intolerável calculado para a Barragem I e para diversas outras barragens da mineradora. Citam como exemplos, os sistemas computacionais Geotec (Sistema de Gerenciamento de Recursos Geotécnicos) e GRG (Gestão de Risco Geotécnico), que permitiam, ao mesmo tempo, a produção de conhecimento (estatísticas e análises gráficas) sobre a situação global das barragens e o conhecimento profundo das peculiaridades do dia a dia de cada estrutura.

Outro exemplo de produção e compartilhamento de informações eram os Painéis Independentes de Especialistas para Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas (Piesem), que reuniam especialistas externos e as equipes técnicas da Vale e de empresas contratadas (consultores e auditores externos) para debater sobre temas críticos e definir parâmetros de análises técnicas e de tolerabilidade aos riscos. Ao final de cada Piesem, os especialistas consolidavam um relatório final, que circulava internamente, contendo todas as informações relevantes para tomada de decisão da alta cúpula.

No Piesem de junho de 2018, a Barragem I ocupava a oitava posição no “Ranking de Barragens em Situação Inaceitável”, que foi chamado na apresentação de “TOP 10 – Probabilidade”. As 10 barragens listadas eram consideradas com probabilidade de falha acima do limite aceitável a partir de resultados de estudos da própria Vale. Contraditoriamente, no mesmo mês do evento, a equipe técnica da Tüv Süd emitiu Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da Barragem I. A reiterada contradição, constatada também em outras barragens, foi, inclusive, apontada no relatório final do Piesem de julho de 2018, que concluiu que, “mesmo com o resultado das análises não drenadas de estabilidade indicando fatores de segurança mais baixos, as declarações de estabilidade foram emitidas”.

“A situação inaceitável de segurança geotécnica da Barragem I da Mina Córrego do Feijão era plena e profundamente conhecida pelos denunciados, os quais concorreram para a omissão na adoção de medidas conhecidas e disponíveis de transparência, segurança e emergência, assumindo, desta forma, o risco de produzir os resultados decorrentes do rompimento”, dizem os promotores.

Responsabilidade

Na denúncia, os promotores de Justiça argumentam que, tendo conhecimento do risco de um rompimento, os denunciados tinham o dever de tomar as medidas de segurança necessárias, como o acionamento do Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM), mas preferiram arriscar para não gerar impactos na reputação da Vale e no valor de suas ações.

A denúncia aponta ainda uma relação de “pressão, conluio, recompensas e conflito de interesses” entre a Vale e a Tüv Süd. A empresa alemã, ao mesmo tempo que emitia DCEs como auditora externa – da qual se exige independência – atuava como consultora interna da Vale, assessorando tecnicamente para a tomada de decisões e ficando a sua equipe técnica sujeita a orientação e interferência direta do corpo técnico da Vale.

“Em um contexto de divisão de tarefas, os denunciados concorreram de forma determinante para a omissão penalmente relevante quanto aos deveres de providenciar medidas de transparência, segurança e emergência, que, caso tivessem sido adotadas, impediriam que os resultados mortes e danos ambientais ocorressem da forma e na proporção em que ocorreram. Escolheram apostar alto, evitando os impactos reputacionais imediatos e, consequentemente, assumindo riscos gravíssimos de rompimento, de morte e de extenso dano ambiental, riscos estes que, apesar de proibidos e altamente prováveis, não eram certos ou necessariamente imediatos”, afirma o MPMG.

Trâmites processuais

Segundo o MPMG, todos os crimes serão processados e julgados pela Justiça Estadual, no Tribunal do Júri de Brumadinho, considerando que as falsas declarações de estabilidade, apresentadas perante o órgão federal, foram verdadeiro escudo e crime-meio para as omissões dos denunciados que causaram os crimes de homicídio e ambientais.

Além de oferecer a denúncia, o MPMG encaminhou à Justiça pedidos cautelares de prisão do gerente-geral da Tüv Süd alemã, Chris-Peter Meier, alegando que, apesar de sistematicamente procurado, não se dispôs a contribuir para as investigações e, ainda, que em razão de ter residência fixa em país diverso e distante do território nacional, há evidente risco de não aplicação da lei penal. Também foi formulado pedido de suspensão das atividades de engenharia por parte de todos os denunciados engenheiros e, por fim, a proibição de se ausentarem do Brasil.