Vem aí um calorão do cão

Essa “balbúrdia tórrida” não é ocorrência trivial na natureza, mas apenas uma das causas do efeito estufa

Vem aí um calorão do cão
Foto: Pixabay

Viajo para o meu tempo de adolescente, lá em Ouro Preto. Essa fase da vida vai se perdendo lentamente na inevitável bruma do tempo. É lamentável. No mês de julho, um frio intenso invadia Vila Rica. Os anos 1970 eram assim. A temperatura das madrugadas atingia zero graus com facilidade. Andar pelas ruas da cidade — no limite entre a noite e o dia — era atitude de muita coragem. Uma ousadia extrema.

E sempre havia uma magia natural (sobrenatural) em tudo isso. As ladeiras noturnas eram tomadas subitamente por intenso nevoeiro. As finas e transparentes gotículas de água pareciam congelar a ponta do nariz e ouvidos. Nada se via naquelas circunstâncias. Uma densa névoa branca envolvia a perturbadora solidão. Apenas figuras fantasmagóricas perambulavam, aqui e ali. Seres do além e aquém se confundiam nos becos e ladeiras da terra dos Inconfidentes. Vultos soturnos ocupavam as varandas dos casarões coloniais. A situação climática mudou muito no planeta. Em Ouro Preto, não é diferente. Aquele frio cortante da década de 1970 não há mais.

E as notícias são as piores possíveis. Uma delas. Na semana atrasada, a ONU alertou para uma realidade assustadora: “a humanidade perdeu totalmente o controle da variação climática”. As perspectivas para o futuro próximo não são nada animadoras. A partir de 2024, a América do Sul sofrerá forte influência do El Niño. Esse fenômeno meteorológico provoca considerável elevação na temperatura das águas equatoriais do Oceano Pacífico. A anomalia repercute em todo o planeta. Consequência. Vem aí um calorão do cão.

Essa “balbúrdia tórrida” não é ocorrência trivial na natureza, mas apenas uma das causas do efeito estufa. O oitavo círculo do inferno dantesco, portanto, é fruto da desastrosa intervenção humana na ordem natural das coisas. E pior. O El Niño — em circunstâncias normais — tem prazo de validade de aproximadamente um ano e meio. O reaparecimento do “menino” travesso terá, agora, a excepcional duração de um quadriênio, segundo a comunidade científica internacional.

É fácil prever os acontecimentos climáticos, no Hemisfério Sul. Cá embaixo, a estação de inverno está na reta final. Já Estados Unidos e Europa encontram-se em pleno verão. O atual panorama de lá ecoará aqui, a partir de setembro. E o que se vê naquelas bandas do mundo é de tirar o sono. Um calor recorde. O maior aquecimento de todos os tempos. A semana de 3 a 8 de julho registrou as mais altas temperaturas da história. Essa radical oscilação dos termômetros apresentou um elevado custo humano. Cerca de 200 pessoas perderam a vida — na América do Norte — nos últimos 30 dias.

E como serão os verões vindouros, no Brasil? Nem precisa ter bola de cristal para perceber o tamanho da encrenca. O Nordeste conviverá com um período de extensas secas. As outras regiões sofrerão com altas temperaturas e violentos temporais. As chuvas intermitentes, porém, serão escassas. Pindorama fatalmente será palco de grave crise hídrica e uma sucessão de queimadas. Mas, atenção. Nada é tão ruim que não possa piorar um pouco mais. Essa calamidade persistirá por até quatro anos. E salve-se quem puder.

PS1: Na semana passada, a China cravou a maior temperatura da sua história: 52º. Como se vê, a “brasa” queimou também a Ásia.

PS2: A situação de Itabira é desafiadora. A cidade enfrentará grave crise hídrica, nos próximos anos. A captação das águas do Rio Tanque pode ser a válvula de escape. Esse processo, porém, permanece no modo “Rubinho Barrichello”. E mais. Tome poeira da Vale. Então, só nos resta rezar.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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