Voltar-se para dentro
“Voltar para casa pode se tornar um voltar-se para dentro de nós”
Durante esse período de quarentena vi alguns amigos contando no Instagram que compraram um aspirador de pó novo. Perguntei-lhes sobre a compra porque estava pensando em comprar um para minha casa. As resenhas que recebi eram ótimas: “melhor compra que fiz em anos”, “vai ajudar demais na limpeza da casa”, “e eu que tenho dois gatos? Que maravilha!”. Inspirado por eles, pensei em escrever sobre um efeito que tem aparecido nas pessoas que estão em casa durante a pandemia.
Como abordei no texto da semana passada, estar isolado em casa tem deixado as pessoas muito inquietas, com um sentimento que estão presas em um lugar que já foi seu local de descanso. Na correria do mundo antes do Covid-19, não parávamos em casa, em muitos casos ela havia se tornado um lugar apenas para dormir à noite. Mas hoje quero falar de um contraponto: ficar em casa também tem feito com que as pessoas voltem sua atenção ao lar.
Com mais “tempo livre”, isto é, sem viver em um modo temporal pautado pela pressa, as pessoas estão cuidando mais de onde moram. Tenho visto movimentos que vão desde o cuidado com uma limpeza mais profunda à aquisição de novos itens, das pequenas e grandes reformas. Acompanho pessoas ao meu redor e pela internet realizando modificações em casa que sempre quiseram, como decorar uma parede, instalar um armário, otimizar o espaço da cozinha… As possibilidades são múltiplas.
Voltar para casa pode se tornar um voltar-se para dentro de nós. Por que não cuidar melhor dela? Por que não a deixar mais aconchegante? Vejo esse cuidado com a casa como também um cuidado a nós mesmos, a diferentes formas de nos expressar que encontramos nesses momentos em que o contato social está limitado. Quando nos deparamos com a falta de algo, a gente sempre pode criar a partir disso.
Não me encontro em uma situação diferente. Também quero que esse período de isolamento social termine para que eu possa voltar às minhas atividades que no momento estão paralisadas. Ver meus amigos, tomar um bom café em uma boa cafeteria aqui perto de casa, atender presencialmente, ir às aulas… Mas tenho um pressentimento que vou levar alguns novos hábitos adquiridos nesse período mais recluso. Fui convencido pelos meus amigos: também comprei um aspirador de pó.
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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