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1982: o mais incrível processo eleitoral da história de Itabira

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Foto: Jackson Faustino/DeFato

O processo eleitoral brasileiro de 1982 foi bastante simbólico, muito emblemático. Na ocasião, um fator justificou o clima de euforia que tomou conta do País. Depois de 18 anos, os estados elegeriam governadores. O regime de exceção atingia a sua maioridade. O golpe militar de 1964 cassou (ou caçou com escopetas) uma sagrada prerrogativa da população (a escolha dos chefes do Executivo estadual). O pleito foi quase geral (a sucessão presidencial só aconteceria sete anos mais tarde). Naquele “ano da graça” (1982), também seriam eleitos senadores, deputados federais, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. E havia outra marcante novidade nesse cenário: um nanico e utópico Partido dos Trabalhadores (PT) entrou em cena. Foi a avant première de Lula e Cia.

E, então, chegamos a Itabira. O frenesi em Mato Dentro não foi diferente. Uma onda de entusiasmo varreu a terra do Poeta Maior. Foram quase seis meses de cansativa batalha pelos votos. O processo se desenvolveu de forma intensa e extensa. A mais completa imensidão! O longo tempo de campanha e a quantidade de candidatos comprovam o realismo da minha exclamação. Uma imensidão!

Circunstância literalmente fora da curva contribuiu para a fartura de postulantes ao cargo de prefeito. Uma esdrúxula cláusula da Legislação Eleitoral permitiu que os partidos criassem múltiplos tentáculos para os cargos majoritários. Assim, cada legenda poderia entrar na disputa pela prefeitura com “N” candidatos (de uma mesma legenda). Os itabiranos aproveitaram bem essa brecha bizarra. Assim, o PDS participou da refrega com três postulantes à chefia do Executivo: José de Grisolia (filho do ex-prefeito Daniel de Grisolia), José Vital da Silva — vereador — e o médico Wilson Gontijo. O PMDB foi mais econômico e entrou em campo com o antigo prefeito Virgílio José Gazire e o ex-vereador Pedro Drumond.

O PT não ficou fora do baile por essas bandas. A agremiação mais parecia uma companhia de circo mambembe (os recursos para a propaganda eram muito escassos). A trupe da “bandeira vermelha” saiu pelas ruas da cidade entoando a improvável cantiga: “para ser governador não precisa ser doutor, basta ser trabalhador”. Esses sonhadores, então, trataram de botar em prática o mote da campanha e lançaram (para prefeito) um operário da velha Cia. Vale do Rio Doce (CVRD). O negro Vicente Romão encarou as experientes raposas da política local, mas teve pífio desempenho nas urnas.

A batalha por uma vaga na Assembleia Legislativa também foi acirrada. Três pretendentes tentaram conquistar a preferência do eleitorado para esse fim: o prefeito licenciado Jairo Magalhães Alves (PMDB), José de Almeida Sana (PDS) — vereador e ex-presidente da Câmara — e o médico José Afonso Cabral (PT). Mas como terminou esse genuíno festival da democracia? Virgílio se elegeu prefeito. Jairo Magalhães virou deputado estadual. Sana também teve uma votação expressiva e ficou na suplência.

E o mais incrível. Em sua estreia, o PT quase conquistou uma cadeira no Legislativo Municipal. Até “48 minutos do segundo tempo”, José Guilherme de Moraes — o popular 17 (e “dezessete e a puta que o pariu”, sempre retrucava ele) — havia garantido a tão cobiçada vaga. Os petistas já comemoravam a inesperada proeza, quando misterioso VAR entrou em ação. Uma nova informação de dentro do Fórum Desembargador Drummond, na pracinha do Pará, onde aconteciam as apurações a passos de tartarugas, deixou o dito pelo não dito: “calma, companheiros. Houve um pequeno equívoco na contagem dos votos e não será dessa vez que vocês “deitarão” na Câmara de Itabira. Desculpem a nossa falha!”. Coisas do pré-histórico voto impresso.

P.S.1: Virgílio Gazire governou a cidade por apenas oito meses. O pemedebista já enfrentava sérios problemas de saúde há muito tempo e morreu precocemente no exercício do poder. Assumiu o vice José Maurício Silva. O novo mandatário permaneceu seis anos no cargo. “Um brinde” do governo militar ampliou para mais dois anos o mandato dos prefeitos.

P.S.2: estourou como uma bomba (um grande escândalo), durante o processo eleitoral. Em algum momento da ditadura, a direita itabirana havia encaminhado ao Palácio da Liberdade uma lista com os nomes dos principais “comunistas” da terra de Drummond. Era o famoso “Relatório”. Adivinhe quem encabeçava aquela “misteriosa” relação? O bispo Dom Mário Gurgel.

P.S.3: os animadores dos comícios também foram importantes protagonistas das eleições de 1982. O advogado Bernardino Serino — com sua potente voz — comandava o eleitorado do PDS. A fina ironia de Fábio Sampaio (popular Fabinho) agitava os simpatizantes do PMDB. Bernardino faleceu recentemente.

P.S.4: “Para ser governador não precisa ser doutor, basta ser trabalhador”. Quem diria! Hoje em dia, o PT tem mais caciques que índios e Lula se transformou no grande morubixaba.

P.S.5: o incrível pleito de 1982, em Itabira, teve lances pra lá de folclóricos e surrealistas. Foi um autêntico teatro burlesco. Só não conto tudo por dois motivos: não sou folclorista e a maioria dos bois ainda está no pasto. Juro que só falo sobre isso apenas em mesas de botecos, como sempre faço.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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