Um novo mundo estranho
“Quantas pessoas que antes ficavam ansiosas para chegar em casa e descansar, agora estão contando os dias para poder sair? De tão íntima, nossa casa tornou-se estranha”
A pandemia do Covid-19 chegou, e com ela, uma grande mudança em nossa forma de vivenciar nossos laços sociais. Estar em casa por muito tempo tem causado um efeito a princípio inédito nas pessoas. A maioria de nós agora está (ou deveria estar) confinada em casa, saindo apenas para realizar o estritamente necessário.
Freud, o pai da psicanálise, escreveu um texto em 1915 chamado Considerações atuais sobre a guerra e a morte. Enquanto escrevia, acontecia a seu redor a Primeira Guerra Mundial. Freud nos diz que um dos efeitos da guerra em quem não estava lutando, ou seja, em quem estava em casa, é uma mudança na atitude diante da morte. Haveria um novo sentimento coletivo, as pessoas naquele momento passaram a sentir-se estranhas em um mundo que antes era tão familiar, até mesmo acolhedor.
Curioso como estas linhas de 1915 soam tão atuais, mais de cem anos depois que foram escritas. O mesmo efeito que ocorreu lá, é o que temos sentido hoje. Nossa casa, lugar que outrora fora tão familiar, agora nos aprisiona. Quantas pessoas que antes ficavam ansiosas para chegar em casa e descansar, agora estão contando os dias para poder sair? De tão íntima, nossa casa tornou-se estranha.
Não só nosso lar tornou-se inóspito: ao sair às ruas, vemos como tudo está diferente: lojas fechadas, menos pessoas circulando, a maioria usando máscara. Quem pensaria que estaríamos higienizando uma embalagem recém comprada de álcool em gel com o álcool em gel que tínhamos em casa? Uma tarefa como ir ao supermercado, que antes era tão simples, tornou-se muito mais complexa. Natural sentir-se deslocado nesse mundo, não?!
Andam dizendo por aí que o mundo não será mais o mesmo, que muitas coisas vão mudar… É impossível estabelecer o que virá. Com certeza muito irá se modificar, mas agora creio que o mais importante é pensar não no futuro, mas em como estamos vivendo neste momento. Fica sempre esse questionamento do que fazer. Mas ninguém (ainda) tem a resposta para isso. Cabe a nós criarmos a nossa pouco a pouco.
Arthur Kelles Andrade é psicólogo, mestrando em Estudos Psicanalíticos
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