“Há risco de acontecer novos deslizamentos”, afirma geólogo Humberto da Silva
Áreas atingidas em Santa Maria de Itabira precisarão ser revitalizadas. O Município, ainda, terá que avaliar e planejar a sua ocupação urbana para evitar novas ocorrências
No último final de semana, Santa Maria de Itabira viveu um drama quando as fortes chuvas que atingiram a cidade provocaram enchentes, deslizamentos de terra e desmoronamentos de casas. Seis pessoas morreram na tragédia — inclusive uma criança de cinco anos — e centenas de santa-marienses estão desabrigados e desalojados.
Poder público, forças de segurança e a população ainda buscam entender as razões do desastre. A reportagem da DeFato conversou com o geólogo itabirano Humberto Alves da Silva, que explicou as possíveis causas para os deslizamentos de terra e como Santa Maria de Itabira pode se preparar para ocorrências futuras.
Formado em Geologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Humberto da Silva atuou como assessor técnico da Defesa Civil de Santa Catarina. Atualmente é geólogo terceirizado na mineradora Vale.
DeFato: Qual a formação geológica predominante na região de Santa Maria de Itabira?
Humberto da Silva: As rochas predominantes são granito e gnaisse. Mas na área que rompeu é solo — e solo é uma evolução da rocha. Então como o talude lá é muito alto e com uma inclinação também alta, aliado às chuvas intensas, de mais de 100 milímetros em um intervalo entre 2h e 4h, saturou o solo e veio a deflagrar esses processos de movimentos de massas, que a gente comumente chama de deslizamento. O que levou a gerar alguns óbitos na região do Poção.
DeFato: Há algum tipo de vegetação que poderia ter impedido esse deslizamento de terra? Ou era uma situação que não teria como evitar?
HS: Até então aquele talude funcionou bem e já tinha uma vegetação natural. Só que o comportamento do solo um pouco mais fragilizado aliado a intensidade da chuva fez com que ele ficasse saturado e essa saturação causa um sobrepeso e o talude veio a descer.
Aquela vegetação natural exerce uma função muito boa para estabilizar o solo, mas, hoje, após a lição aprendida com esse evento, existem técnicas de contenção de revestimento vegetal que podem trazer maior segurança e estabilidade.
Aquela área precisará receber um tratamento porque embaixo temos os elementos vulneráveis — que são as casas e a vida — e em cima o talude daquela forma que, mesmo após o deslizamento, ainda é uma ameaça para a população que continuará morando ali. Então, temos uma situação de risco residual e caso aconteçam chuvas semelhantes ou de maior volume, até mesmo em menor quantidade, pode vir a ocasionar novos deslizamentos.
DeFato: Então, nesse trabalho de reconstrução de Santa Maria de Itabira, para evitar novas ocorrências, é necessário desenvolver ações para gerar mais segurança.
HS: Com certeza! Existem técnicas das mais simples até as mais avançadas, mas isso depende de recursos financeiros e sabemos que as condições dos municípios e do Brasil não estão fáceis. Então o que Santa Maria de Itabira tem que fazer é um estudo detalhado para verificar um ângulo mais rebatido e fazer um talude menos inclinado do que é hoje por meio de um processo de retaludamento.
Para isso, devem entrar máquinas fazendo banquetas para diminuir a altura do talude. Reduzindo a inclinação e a altura desse talude, você diminui o peso dele. Aliado a um sistema de drenagem e a uma vegetação mais robusta, mais penetrativa no solo, você consegue revitalizar aquela área e, até mesmo, voltar a ter condições mais seguras de moradias lá embaixo.
Não é ideal ter moradias tão próximas às bases dos taludes, mas a realidade do Brasil são as ocupações desordenadas, então é conviver com o risco.
A Prefeitura de Santa Maria de Itabira também precisa equipar a Defesa Civil com profissionais técnicos e desenvolver alguns estudos para ficar atenta aos alertas que a Defesa Civil Estadual emite em termos de chuva e nível do rio para informar a população, que poderá ter maior percepção de risco e se proteger de novas ocorrências.
DeFato: Quais circunstância podem ter provocado o deslizamento, já que esse tipo de ocorrência é rara no município?
HS: Temos que pensar se foi um desastre natural ou um desastre induzido, socioambiental. Por que socioambiental? Porque o homem vai lá no terreno e faz um corte na base do talude, que estava ali parcialmente estável, para aumentar a área da sua residência.
Pelo que eu vi nas imagens aéreas, teve essa intervenção humana para ampliar os lotes das residência e, com isso, tirou a sustentação do talude, que é a base dele. Geralmente as pessoas fazem um muro de tijolo e acha que aquilo ali é um muro de contenção, mas é apenas um muro de divisa que não consegue segurar toda aquela massa de solo. Assim, em uma situação de chuvas intensas, há grande possibilidade de acontecer deslizamentos.
Não posso afirmar com certeza, mas pelo que vi nas imagens e pelo fato das casas estarem muito próximas do talude, é bem certo que houve intervenção humana ali. Isso é comum em várias cidades, independentemente do porte, desde Santa Maria de Itabira até Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
DeFato: No caso de Santa Maria de Itabira é recomendado um estudo para entender as áreas de risco e se precaver de novas ocorrências?
Eu recebi a informação de que o Serviço Geológico do Brasil, com dois geólogos, está fazendo a setorização de risco de algumas áreas. Não vai ser um mapeamento de toda a cidade, vai ser desses pontos críticos. É um mapeamento superficial, mas que a Prefeitura de Santa Maria de Itabira pode entregar a uma equipe técnica, que percorrerá outras partes do município e conscientizará a população dos riscos — inclusive tirando algumas famílias das áreas de maior perigo, que a princípio podem ficar no aluguel social e, posteriormente, ao ser promovida uma política de assistência e moradia, serem realocadas. Isso é preservar a vida.
Santa Maria de Itabira deverá olhar para o seu planejamento territorial, verificar para onde está crescendo e evitar que essa expansão não seja desenfreada e que não haja ocupação em áreas de risco.
Também será necessário monitorar as áreas de risco. Por exemplo, Santa Maria de Itabira não tem nenhum pluviômetro, então é necessários comprar alguns pluviômetros automáticos para monitorar o quanto de chuva está caindo e, com isso, criar alertas para a população, sobretudo as que estão nas áreas de risco, que em situações mais graves precisarão se retirar para locais mais seguros. Com isso, cria-se um Plano de Contingência.
Além disso, é preciso conscientizar a população sobre a importância desse monitoramento e de seguir os alertas. Outra coisa é ter um Plano de Resposta, com abrigos preparados, rotas de fuga estabelecidas e voluntários cadastrados para dar suporte à população nessas situações.