Balanço de Riscos

Confira o novo texto da economista e colunista da DeFato, Rita Mundim

Balanço de Riscos

Acredito que a semana passada foi a mais volátil do ano. Tenho dito aqui que o nível de incertezas globais aumentou muito e essa é a principal causa desta volatilidade. O Banco Central divulgou o Relatório Trimestral de Inflação do primeiro trimestre do ano e ele comprova este aumento no nível de incertezas.

Em relação ao cenário externo, a autoridade monetária acredita que “novos estímulos fiscais em alguns países desenvolvidos, unidos ao avanço da implementação dos programas de imunização contra a Covid-19, devem promover uma recuperação mais robusta da atividade ao longo do ano. A presença de ociosidade, assim como a comunicação dos principais bancos centrais, sugere que os estímulos monetários terão longa duração. Contudo, questionamentos dos mercados a respeito de riscos inflacionários nessas economias têm produzido uma reprecificação nos ativos financeiros, o que pode tornar o ambiente desafiador para economias emergentes”.

E é aí que mora o perigo e onde encontramos a resposta para a enorme volatilidade vivida pelo mercado brasileiro na semana passada com queda do IBOVESPA (-1,24%), alta do dólar (+4,67%) e dos juros mais longos.

A semana começou com a mega desvalorização da lira turca depois que o presidente do País demitiu o presidente do Banco Central (o terceiro demitido em 3 anos) por não concordar com a decisão de elevar os juros de 17%a.a. para 19%a.a. na tentativa de conter uma inflação que já está em 15,5%a.a., e na sexta-feira , o presidente do país, Recep Erdogan , já falava em baixar os juros e, de novo, a lira turca passou por outra forte desvalorização perante o dólar contaminando outras moedas emergentes, como o Real.

E se não bastasse a Turquia, os países emergentes sofreram também com a decisão da Argentina em não honrar uma dívida de US$47 bilhões o que acabou colocando mais pressão no Real, que desde a decisão do COPOM em elevar os juros acima do previsto vinha ensaiando uma recuperação em relação ao dólar.

Resumo da ópera emergente: existe uma alta no preço das commodities que é intensificada nos países emergentes, como é o caso do Brasil, pela alta do dólar em relação ao Real. Esta alta de preços , desde setembro, vem sendo repassada para os preços finais e está provocando um movimento inflacionário persistente e que no nosso caso, culminou com o fim da política monetária acomodatícia e resultou no início de um processo de alta da taxa básica de juros , a SELIC.

O problema é que o mercado financeiro global começa a precificar uma antecipação no movimento de alta de juros por parte dos países desenvolvidos , em especial, os Estados Unidos em razão da forte retomada da atividade econômica que pode provocar inflação na terra do Tio Sam.

Apesar dos discursos quase diários dos representantes do Federal Reserve (Banco Central Americano) insistindo que não estão no momento preocupados com a inflação, as taxas de juros dos títulos do Tesouro americano de 10 e 30 anos continuam a subir sinalizando a crença do mercado nesta antecipação do aumento de juros que só está prevista para acontecer em 2023.

Em função desse cenário mais confuso e incerto o próprio Banco Central traçou cenários alternativos para inflação se houver um aumento do risco fiscal e uma piora da pandemia. No curto prazo, o Banco Central acredita na continuidade do repasse da alta dos condicionantes para os preços dos combustíveis; na persistência da pressão sobre preços de bens; e, em sentido contrário, o agravamento da pandemia deve contribuir para manter baixas as variações de preços de serviços.

Em relação à atividade econômica o Banco Central aponta que os  indicadores recentes, em particular a divulgação do PIB do quarto trimestre, continuaram indicando recuperação consistente da economia, a despeito da redução dos programas de recomposição de renda.

Em geral, os indicadores de maior frequência sugerem que esse movimento provavelmente se estendeu até fevereiro, mas essa interpretação exige cautela diante da maior dificuldade de aplicação de ajustes sazonais, em decorrência tanto da volatilidade recente das séries como da alteração do calendário de feriados em nível estadual.

Além disso, as últimas leituras ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente e agudo aumento no número de casos de Covid-19. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o primeiro e segundo trimestres deste ano.

Diante do conteúdo do Relatório Trimestral de Inflação que pode ser acessado na íntegra ou ainda via resumo da apresentação feita pelo diretor de política monetária, Fábio Kanczuk (Apresentação do Relatório de Inflação – março de 2021 (bcb.gov.br)., podemos concluir que desde o início da pandemia, há um ano atrás, não tínhamos um cenário tão incerto quanto o que temos hoje, e, daqui para a frente, a volatilidade deverá estar presente com muito mais intensidade no mercado financeiro global e de forma ainda mais aguda nos mercados emergentes , como é o caso do Brasil.

A diminuição do nível de incertezas, no caso brasileiro, dependerá da velocidade de vacinação e do efetivo controle da pandemia, e, ainda, do grau de comprometimento do governo com a responsabilidade fiscal que, de certa forma, está diretamente ligado com a rapidez na aprovação e qualidade do conteúdo das reformas administrativa e tributária que precisam ser aprovadas.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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