Eu juro que o assunto é juros
Mercado financeiro do Brasil passa por nova fase, e este é o tema do novo texto da colunista Rita Mundim
A retomada mais forte da economia em nível global trouxe, como consequência, o efeito colateral do crescimento forte: uma inflação global puxada pelo aumento de preço das commodities. O remédio mais poderoso e mais indicado para frear inflação é aquele mais eficaz em frear consumo: a alta de juros capaz de tornar atraente o investimento em ativos financeiros que podem voltar a competir com o investimento em ativos reais.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, divulgada na terça-feira passada, assim como o Relatório Trimestral de Inflação, RTI, divulgado na quinta-feira, tratam desse momento vivido pela economia global e brasileira e da busca dos bancos centrais dos países emergentes, como o Brasil, por essa calibragem nos juros de forma a não atrapalhar muito a retomada da economia.
No caso dos países desenvolvidos a discussão passa, em primeiro lugar, pela retirada dos estímulos e, em segundo lugar, pelo momento de início do processo de alta dos juros.
Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos, em especial o Banco Central americano, repetem quase diariamente o mesmo discurso: “a inflação é transitória, ainda não é hora de discutir retiradas de estímulo e o foco continua na geração de empregos”. Os investidores globais parecem convencidos e tanto é verdade que precificaram nos mercados essa crença.
Na Ásia, nos EUA e na Europa as bolsas voltaram a registrar recordes históricos de valorização, o dólar caiu em relação às principais moedas do mundo assim como caíram as taxas dos T-Bills (títulos de renda fixa do tesouro americano) de 10 e 30 anos.
Aqui no Brasil, o movimento foi o inverso, o crescimento acima do esperado com um processo inflacionário que persiste desde setembro e com um cenário de risco hídrico que pode contaminar a inflação nos próximos meses, o Banco Central subiu o tom e se mostrou disposto a acelerar a alta da taxa básica de juros, a SELIC, para evitar a contaminação da inflação atual na inflação futura.
Nas análises divulgadas, o Banco Central já sinaliza outra alta de no mínimo 0,74 ponto percentual na reunião de 04 de agosto e admite aumentar a dose, se necessário. A Selic subiu nas últimas três reuniões do COPOM e deve subir nas próximas fechando o ano em torno de 7%. E porque eu estou falando isso … para explicar para vocês o novo cenário do mercado financeiro brasileiro.
Enquanto as bolsas subiam pelo mundo afora, o Ibovespa caía e o dólar desabava. A queda do dólar está diretamente ligada à volta do capital estrangeiro em busca de boas aplicações em renda fixa já que os juros nos países desenvolvidos ou está negativo ou próximo de zero.
Esse mesmo capital especulativo que aplicava nos títulos brasileiros com a Selic acima de 6% a.a. e que começou a ir embora em outubro de setembro de 2019, está voltando junto com o capital produtivo que vem buscar pechinchas e investimento em negócios em um País que vai crescer no mínimo 5% este ano.
O novo marco do gás, do saneamento, a privatização da Eletrobrás, os leilões de concessões de portos, aeroportos, a BR do Mar abrem uma avenida de investimentos em infraestrutura para o capital estrangeiro à caça de bons negócios com baixo risco e potencial de crescimento de mercado. O Brasil está se transformando na bola vez no radar dos gringos. Anotem aí.
Em paralelo temos um congresso dando prosseguimento na pauta da economia com as reformas administrativa e tributária sendo discutidas e com chance de serem aprovadas ainda que em partes, esse ano.
A descoberta do Brasil pelo capital estrangeiro seja através do capital especulativo atraído pela alta dos juros seja pelo investimento produtivo através do IDP (Investimento Direto no País) fez com que o dólar fechasse a R$4,93 na sexta, em queda de quase 6% só no mês de junho. O dólar de equilíbrio vai ficando muito mais próximo de R$4,80 do que de R$5,10 (última projeção do Relatório de Mercado do Banco Central).
O susto do descontrole fiscal que turbinou o dólar a quase 6% e a taxa real de juros a praticamente 4% a.a. parece ter passado com o bom desempenho da economia estampado nos números da arrecadação da receita, da geração formal de empregos e do próprio PIB do primeiro trimestre.
Pelo andar da carruagem e se as decisões políticas não criarem mais ruídos e atrasos para a pauta econômica acredito que depois da queda do dólar assistiremos a volta da SELIC ao patamar de neutralidade e assistiremos a uma queda ainda mais forte do risco Brasil e da taxa real de juros. Nos níveis atuais de taxa, as NTNBs do tesouro que remuneram inflação (IPCA) + juros parecem ser uma excelente opção de investimento.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
O conteúdo expresso neste espaço é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.