Alimentos, combustíveis, seca e frio mudam o patamar de inflação no Brasil

Leia o novo texto da economista e colunista da DeFato, Rita Mundim

Alimentos, combustíveis, seca e frio mudam o patamar de inflação no Brasil

Até a divulgação do IPCA-15, a expectativa de inflação no Brasil, em 2021, rondava a casa de 6.5%, e, a taxa básica de juros, a SELIC, para o final do ano deveria ficar entre 6,5% e 7% a.a., no intuito de ancorar as expectativas de inflação futura. A inflação de julho medida pelo IPCA-15 ficou em 0,72% e anualizada em 8,59%, acima das expectativas dos mais pessimistas que esperavam uma inflação em 0,65%.

A partir da divulgação do IPCA-15 de julho o mercado voltou a elevar as projeções de inflação e de SELIC para o final de 2021, mas durante a semana a onda de frio que invadiu o sul e o sudeste brasileiro atacou lavouras e reforçou a perspectiva de alta na inflação com aumento de preços de alimentos. A cotação do café disparou no mercado internacional e plantações de hortaliças foram congeladas. Além da resiliência da inflação global, das geadas comprometendo colheitas, outro fantasma vem assombrando o nível de preços no Brasil, a crise hídrica, a pior dos últimos 100 anos e que assim como o frio atinge principalmente os estados do Sul e do Sudeste banhados pela bacia do Rio Paraná.

Além de impactar o preço da energia elétrica que fica e ficará por um bom tempo mais cara para compensar o acionamento das termoelétricas, a escassez de água atinge estados de extrema importância para o agronegócio (Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais). A tarifa 2 da bandeira vermelha já foi acionada e passará por reajustes sempre que necessário. Juntando o tico com o teco, o cenário vai requerer monitoramento e austeridade do Banco Central.

E qual é este cenário? Desde setembro do ano passado temos convivido com uma inflação resiliente provocada pela recuperação da economia global com alta forte e persistente de comodities como soja, milho, minério e petróleo. O desarranjo das cadeias produtivas globais também contribuiu com a alta de preços já que a falta de insumos para alguns setores da indústria trouxe falta de produtos no mercado como foi o caso da indústria automobilística e de eletroeletrônicos.

Os países emergentes, como o Brasil, sentiram com mais força os impactos da inflação já que além da alta dos preços em dólar das commodities, tiveram que conviver com a valorização do dólar em relação às suas próprias moedas. Na tentativa de ancorar as expectativas inflacionárias, o Banco Central iniciou um movimento de elevação da taxa básica de juros desde a reunião de março, elevando a SELIC de 2,00% a.a. para os atuais 4,25%, com 03 aumentos seguidos.

O problema é que ao cenário de inflação global provocada por alta de commodities passamos a conviver com uma crise hídrica e uma onda de frio jamais vistas nas últimas décadas.

Como vimos acima, tivemos uma piora significativa de cenário inflacionário para o Brasil, que mudou rapidamente a expectativa e o patamar para a inflação em 2021. A dose de juros ministrada até aqui pelo Banco Central não contemplava a piora da crise hídrica e novos reajustes na tarifa da bandeira vermelha e muito menos os efeitos das geadas nos preços dos alimentos.

Diante desses desafios e para executar a sua missão de defender o poder aquisitivo da população, o Banco Central deve mudar a calibragem da alta dos juros com um ajuste de no mínimo 1 ponto percentual na reunião que termina na quarta, dia 04 de agosto, elevando a Selic para 5,25% a.a., mas parte do mercado, já aposta em uma alta de 1,25 pontos percentuais diante do desafio de controlar a inflação de 2022.

Durante toda a semana vários bancos revisaram para cima as projeções de inflação para o final de 2021 e as apostas majoritárias apontam uma inflação de 7% com uma taxa Selic terminando o ano entre 7,5% e 8%.

O mercado, como sempre, precificou a piora de expectativas com queda do IBOVESPA, alta nas cotações de juros futuros e, em um primeiro momento, queda no dólar, mas que foi revertida com a possibilidade de aumento de gastos com a ampliação de famílias atendidas pelo Bolsa Família e aumento de 50% no valor do benefício, o que poderia novamente comprometer e adiar o equilíbrio fiscal.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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