O petista Zé Guilherme Moraes sempre retrucava na bucha: “dezessete é a véia”

Conheça a história de um dos fundadores do partido dos trabalhadores em Itabira

O petista Zé Guilherme Moraes sempre retrucava na bucha: “dezessete é a véia”
Foto: Reprodução
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– Oi, Dezessete!
Gritava alguém no meio da rua.
O troco retornava num tom áspero:
– Dezessete é a “véia”.
Ou pior ainda:
– Dezessete é a puta que o pariu.

 

O dono do atropelamento era um negro de estatura mediana. Muito magro. Tachar aquele cidadão de “esqueleto humano” também não seria nenhum exagero. Chamar de Dezessete, porém, era uma prerrogativa de amigos íntimos.  O palavrão da resposta era uma homenagem a pessoas de muita consideração. Nada ofensivo. Nenhum estranho deveria pronunciar o apelido. O bom senso recomendava. A ousadia poderia custar alguns dentes. Narizes e braços quebrados já fizeram história.

José Guilherme Moraes – apesar da frágil aparência física – batia muito. O murro tinha potência do coice de uma mula. As suas vítimas podiam ser enumeradas nos dedos das duas mãos. Brigava demais. E muito. O homem era do tipo afável. Gostava da boa prosa. Adorava a política partidária. Era um gozador incorrigível. Distribuía fartos sorrisos a granel. Mas também era dono da ambiguidade típica do genuíno barroco mineiro. Apesar da cativante alegria, jamais levava desaforos pra casa. Ia às vias de fato com extrema facilidade.

A alcunha racista não prosperaria nos dias de hoje. Macaco (17 no Jogo do Bicho) é um substantivo impróprio nesses tempos modernos. O alvo do apelido, porém, não importava nem um pouco com a chacota. Pelo contrário. Assumia o codinome com tranquilidade. 

Zé Guilherme era consciente do seu papel na sociedade. Adorava a política e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) em Itabira. Nas eleições de 1982, concorreu a uma vaga para a Câmara de Vereadores. Esse pleito foi o “début” do PT nas urnas, em nível nacional. O prosaico e simplório mote do partido na campanha majoritária convidava os eleitores a essa sonhadora reflexão: “para ser governador não precisa ser doutor, basta ser trabalhador”. 

A professora Sandra Starling (PT) enfrentou Tancredo Neves (PMDB) e Eliseu Rezende (PDS) na corrida para o Palácio da Liberdade. Pela primeira vez, uma mulher concorria ao governo de Minas Gerais. Foi uma luta de David contra Golias. 

O quase vereador Zé Guilherme tinha muito orgulho do tom de sua pele. Mas, provavelmente, defenderia incondicionalmente o direito de um amigo tratá-lo como bem quisesse. José Guilherme Moraes morreu precocemente em 23 de fevereiro de 2001. Contava 48 anos de idade.

PS: O candidato a prefeito – nas eleições de 1982 – foi Vicente Romão, um trabalhador da antiga Cia Vale do Rio Doce. Durante as apurações, no fórum, na pracinha do Pará, os mesários anunciaram oficiosamente a vitória de Zé Guilherme para vereador. Os petistas comemoraram com entusiasmo. A alegria durou pouco. Algumas horas depois, veio o desmentido: “não é bem assim, aconteceu um erro na contagem dos votos”. Quanto mistério.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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