MPF prepara cerco ao Telegram; Barroso fala em barrar app nas eleições
O Telegram representa hoje uma das principais preocupações para as disputas eleitorais deste ano. Sem representação local, a plataforma está fora do alcance da Justiça brasileira
A falta de interesse demonstrada pelo programador russo Pavel Durov, criador do Telegram, em dialogar com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, acendeu o sinal de alerta entre os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo que conduzem um inquérito civil público sobre desinformação e mentiras veiculadas em redes sociais.
Em entrevista ao Estadão, membros da instituição disseram que a plataforma pode vir a ser alvo de medidas judiciais de curto prazo e, em último caso, suspensão temporária no País. O MPF quer impedir a propaganda eleitoral em serviços de trocas de mensagens, como o Telegram. No dia 6 de janeiro, o procurador regional Yuri Corrêa da Luz, responsável pelo inquérito, oficiou o Twitter com pedidos de informações a respeito dos canais de denúncia de notícias falsas na plataforma, que até aquele momento não estavam disponíveis no Brasil.
Dois dias antes de responder ao MPF, a rede social adotou a caixa de queixas de desinformação, já existente em países como os Estados Unidos. A mesma medida de requisição de respostas foi adotada em relação às outras empresas com operação no País.
Conforme as respostas das plataformas aos ofícios chegaram ao MPF na semana passada, o Telegram se distanciou das negociações sobre moderação de conteúdo, entrando na mira das autoridades brasileiras. De acordo com os membros da Procuradoria de São Paulo, conforme entrevista ao Estadão, trata-se de um sinal claro de que a empresa não vai colaborar e que, portanto, será preciso “adotar qualquer providência necessária neste contexto”.
Um dos integrantes da cúpula responsável pela investigação afirmou que medidas mais brandas e de longo prazo, como a celebração de acordos, estão descartadas em relação ao Telegram. Para ele, as alternativas disponíveis em relação ao aplicativo são escassas ou até mesmo inviáveis, porque a jurisdição brasileira não alcança a plataforma, justamente por não possuir escritório no País. Diante disso, a suspensão do funcionamento do aplicativo no território nacional é vista como uma medida exequível em caso de esgotamento das possibilidades de negociação, embora seja considerada extrema por especialistas.
“O problema é que, neste caso do Telegram, nós não estamos falando de uma postura em defesa de usuários. No caso do TSE, não foram solicitados dados de usuários, mas sim um ‘cafezinho’. Ele [Luís Barroso] está pedindo para sentar e conversar, e isso não está sendo atendido. No caso do MPF, tampouco estamos pedindo dados. Solicitamos informações como o relatório de transparência Não há perseguição de usuários”, afirmou o procurador Yuri Luz.
Medida drástica
A pesquisadora Yasmin Curzi, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que o MPF possui competência para solicitar o bloqueio do Telegram na Justiça a partir dos desdobramentos do inquérito. Para ela, no entanto, trata-se de uma medida drástica, independentemente da instituição que venha a executá-la.
“Para as eleições, pensando especificamente no problema da disseminação de notícias falsas, é desproporcional o TSE adotar esse tipo de medida [bloqueio[ porque outras coisas poderiam ser feitas, como investigações de candidatos que fazem campanha dentro do Telegram. É complicado restringir a possibilidade de comunicação de tanta gente. É necessário punir os candidatos que fazem mau uso das redes”, explicou Yasmin Curzi.
Antes de chegar a decisões mais pesadas em relação ao Telegram, o MPF de São Paulo planeja uma série de medidas de cooperação extrajudicial com as plataformas de comunicação. A expectativa na instituição é de que o inquérito não se encerre neste ano, mas que neste período entregue subprodutos capazes de coibir a desinformação nas áreas eleitoral, saúde pública e integridade cívica.
Apesar do amplo rol de atuação, os procuradores afirmam que não há interesse em transformar a investigação em um instrumento de regulação, diferentemente do que ocorre no TSE, onde se discute a possibilidade de utilizar o inquérito administrativo contra autoridades que veiculam notícias falsas para regular a desmonetização e a moderação de conteúdos nas redes.
Com o avanço do inquérito no MPF, as empresas estão, neste momento, respondendo a uma segunda leva de perguntas encaminhadas pelos procuradores.
Na mira do TSE e do seu presidente, Luís Barroso
O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, vai levar o tema para debate junto aos demais ministros na volta do recesso. Em nota divulgada pela Corte Eleitoral, ele afirma que “nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”.
Em 16 de dezembro, Barroso enviou um ofício ao Telegram, por e-mail, solicitando audiência com Pavel Durov, fundador da empresa, com sede em Dubai. Queria discutir uma cooperação contra a desinformação que circula no aplicativo e afeta a confiança nas eleições brasileiras.
Barroso foi ignorado. Ao menos quatro tentativas de envio por correspondência também não tiveram sucesso. O tribunal não pretende enviar um representante à empresa porque detém informações de que no escritório em Dubai não há um representante de fato da companhia. Apenas um pequeno grupo de funcionários de baixo escalão dá expediente no local.
O Telegram representa hoje uma das principais preocupações para as disputas eleitorais deste ano. Sem representação local, a plataforma está fora do alcance da Justiça brasileira, e especialistas apontam o risco de ela ser um canal para disseminação de notícias falsas, ataque a instituições e discurso de ódio. Investigadores também se queixam do fato de o aplicativo não cooperar mesmo em apurações nacionais sobre crimes como apologia ao nazismo e pedofilia.
A ideia de proibir o funcionamento de serviços sem representação no Brasil, com vistas à eleição, é baseada em uma interpretação do que está disposto na Lei das Eleições, de 1997, e na resolução do TSE sobre propaganda eleitoral. Os textos exigem que “sítios” de candidato, partido e coligações estejam hospedados em provedor de internet estabelecido no País. O Telegram e outros serviços como Gettr, Parler e Gab estariam incluídos nessa regra, na interpretação de integrantes do MPF.
Contudo, a tese não é majoritária. Enfrenta resistência entre especialistas e até dentro do TSE. Em setores do tribunal, há quem considere que o entendimento aplicado sobre a lei e a resolução seja “forçar a barra” para tentar solucionar um problema complexo.
Fake news
Responsável pelas eleições no Brasil, o TSE é pressionado a adotar estratégias que façam as disputas transcorrerem de forma justa, e que a internet não seja usada para corroer a credibilidade do processo.
Plataformas como Facebook e Twitter vêm intensificando ações para conter notícias falsas e discurso de ódio, sobretudo em meio à pandemia de Covid-19 e elaborando regras próprias para o período eleitoral, mas não há notícia de qualquer mudança por parte do Telegram.