Um vexame histórico: os institutos de pesquisa só não erraram o que não previram

Confira a nova coluna do jornalista Fernando Silva

Um vexame histórico: os institutos de pesquisa só não erraram o que não previram
Foto: pixabay

“Os números não mentem jamais”. Passei a vida ouvindo essa máxima. A famigerada ladainha ecoou até no útero materno.  Pesquisa é ciência exata e apresenta a mesma origem genética dos algarismos. Então, não deveria cometer caraminholas.  O primeiro turno das eleições desse ano desmentiu a suposta autenticidade de algumas sondagens de opinião. Aí, alguém na plateia até pode salientar: “pesquisa é apenas o retrato de um momento”. Então, é fácil concluir: o instantâneo, às vezes, é uma farsa. 

As principais empresas de avaliação do humor do eleitorado abusaram do direito de derrapar. A bandeirada aconteceu literalmente de Norte a Sul, noves fora o Nordeste. E, nesse acaso, os números corroboram com a demonstração do equívoco. Vamos caminhar lado a lado nessa análise. A alimentação da discrepância foi preparada pelo Datafolha e Ipec- a reencarnação do antigo IBOPE. 

Ambos os institutos não cravaram o ponto final das eleições, nesse domingo. E acertaram. Lula deixou de liquidar a fatura por um limite mínimo de 1,57%. O fracasso se situou na margem de erro (2% para mais ou menos). Mas tem um aspecto a se considerar. Nessa oscilação de percentual, os institutos ligaram o modo “tanto faz”: se acertassem ou errassem, acertariam. Caso o petista terminasse vitorioso, os erros crassos não teriam impacto tão negativo. 

Acompanhe as sequências de deslizes em algumas regiões do país.  A paisagem foi medonha no Sudeste. A começar pela pauliceia desvairada. Na terra dos bandeirantes, o Datafolha garantiu que o petista Fernando Hadad levaria a melhor sobre o bolsonarista Tarcísio de Freitas por uma diferença de 8%. O veredito das urnas, porém, foi praticamente o inverso.

Ou seja, a diferença de 6,62% beneficiou Freitas (Fernando 42,32; Tarcísio 35,70%).  O equívoco mais grotesco foi registrado na corrida para o senado. Pelas projeções, o astronauta Marcos Pontes iria literalmente para o espaço.  Comeria poeira cósmica no embate contra Márcio França (45% para o ex-governador e 33% para o “desbravador” do universo). O frigir das urnas, no entanto, revelou 49,9% para Pontes e 36,15% para o xará da pátria de Napoleão.

O Datafolha, nesse caso, atirou em que viu e acertou algo totalmente diverso. E os “chutes” no maior colégio eleitoral de Pindorama não param aqui. Ali, o instituto paulista previu um tranquilo triunfo do ex-presidente sobre o atual presidente. A “bola de cristal” explicitou uma diferença de 13%. Mas deu “zebra”. Jair Bolsonaro ganhou por 47,71% a 40,89%.  

Um pouco mais adiante. Um verdadeiro tiro pela culatra foi dado no Rio Grande do Sul. Agora vamos de Ipec. Nos pampas, o ex- IBOPE jurou que Eduardo Leite ficaria com 36% dos votos, enquanto o ex-ministro Onyx Lorenzoni permaneceria com 27%. Mas falhou. Os dois vão disputar a segunda rodada, mas com posições invertidas: Onyx 37,5% e Leite 26,8%.  Para o senado também o Ipec deu um palpite infeliz. O vice-presidente Hamilton Mourão tinha pouca possibilidade de virar senador. Para a turma do antigo IBOPE, Olívio Dutra faturaria a peleja com um placar de 36% a 28%. E deu zebra novamente.  O contrário foi real. O general saiu vitorioso por 44,31% a 37,85%.  

O teatro do horror (e que horror!) continuou no estado vizinho aos gaúchos, o Paraná.  A coisa desandou. A previsão era uma só: o ex-juiz Sergio Moro não conseguiria consumar seu processo de traição a Álvaro Dias, pelo menos segundo o Ipec. O “dono” da Lava Jato não teria êxito na sua aventura eleitoreira. Dias ganharia por 45% a 31%. As urnas, no entanto, mostraram que Álvaro foi naturalmente apunhalado pelas costas. A resposta derradeira se mostrou avassaladora: Moro 33,71%; Paulo Martins 29,10%. E, como se vê, o atual senador paranaense nem apareceu na fotografia. Ficou na terceira posição.  

E, agora, chegamos ao estado chave: Minas Gerais. Aqui foi até meio exótico. Ipec e Datafolha brigaram entre si. Ipec previu Zema com 50% dos votos válidos e Kalil muito próximo, com 42%. Haveria segundo turno nas montanhas, sinalizava o Ipec. E deu outra: Zema 56,18% e Kalil 35,08%. O Datafolha conseguiu não errar dessa feita. Aleluia! O instituto paulista cantou a vitória do governador mineiro, no primeiro turno, com os seguintes índices: Romeu 56%, Alexandre 35%. Praticamente acertou na mosca. 

E para acabar essa longa delonga. Ipec e Datafolha morreram abraçados no resultado final do primeiro round entre Bolsonaro e Lula. As duas empresas apuraram números praticamente idênticos para o primeiro turno, no Brasil. Ipec: Lula: 51% , Bolsonaro:37%. Datafolha: Lula 50%, Bolsonaro: 36%. Uma vantagem de 14% para o antigo presidente. Enfim, só.  Lula: 48,43%; Bolsonaro: 43,20%. No final das contas, a distância entre os dois adversários foi de apenas 5,23 pontos.  Uma pisada e tanto na bola.

Em tempo: o nanico e suspeitíssimo Instituto Paraná Pesquisas desbancou Ipec/ Data Folha e acertou- com maior precisão- o resultado do primeiro turno da eleição presidencial: Lula 47,1%; Bolsonaro 40%.

PS: Os institutos de pesquisas ainda erraram nos seguintes estados: Bahia, Goiás, Santa Catarina e Espírito Santo.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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