O que é isso, companheiro? É Fernando Gabeira na DeFato
O jornalista mineiro (de Juiz de Fora) Fernando Paulo Nagle Gabeira, de 82 anos, é importante personagem da história recente do Brasil, uma figura de destaque na resistência armada ao regime militar, na década de 1960. Foi preso e deportado para a Argélia, depois de participar do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em setembro […]
O jornalista mineiro (de Juiz de Fora) Fernando Paulo Nagle Gabeira, de 82 anos, é importante personagem da história recente do Brasil, uma figura de destaque na resistência armada ao regime militar, na década de 1960. Foi preso e deportado para a Argélia, depois de participar do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em setembro de 1969. Na época, trabalhava no Jornal do Brasil. Era redator do órgão de imprensa carioca. Gabeira passou dez anos no exterior. Viveu na Argélia, Suécia, Itália e Chile. Em 1979, foi beneficiado pela Lei da Anistia e retornou ao País. No ano seguinte, escreveu o livro “O que é isso, companheiro? ”.
A publicação se transformou num símbolo da abertura política e ganhou uma versão para o cinema. A partir de 1986, Gabeira iniciou uma consistente carreira política. Nesse ano, disputou o governo do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Não foi uma estreia muito feliz. Acabou derrotado por Moreira Franco (PMDB). Em 1989, candidatou-se a presidente da República pelo Partido Verde (PV). Esse foi o primeiro pleito depois da redemocratização do país. O ex-governador de Alagoas — Fernando Collor de Mello — foi vencedor da eleição.
Fernando ainda tentou a Prefeitura da “Cidade Maravilhosa”, em 2008. Perdeu para Eduardo Paes — no segundo turno — por uma diferença de apenas 1,66% dos votos. Em 2010, concorreu mais uma vez ao governo fluminense. Ficou em segundo lugar. Sérgio Cabral foi o vitorioso da ocasião.
A partir de 1994, candidatou-se sucessivamente a deputado federal e permaneceu no parlamento por 16 anos. Nas eleições de 2006, foi o deputado mais votado do Rio de Janeiro com 293.057 votos. No ano de 2013, retomou o seu trabalho na imprensa. Atualmente, encontra-se no canal GloboNews, onde é uma atração diária da grade de programação.
O jornalista esteve em Itabira e participou do projeto “Sempre um Papo”, no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), em 22 de julho deste ano. Antes, concedeu uma entrevista exclusiva à DeFato e fez uma análise do atual cenário político e econômico nacional. Leia a entrevista e assista no Sala de Visitas da TV DeFato.
DeFato: O terceiro governo Lula completou seis meses. O início foi tulmutuado devido a complexas negociações com o Congresso, principalmente a definição do limite do teto de gastos públicos e o arcabouço fiscal. E, além disso, aconteceu a quebradeira, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Qual a sua avaliação sobre esse início de governo? A situação está dentro das suas expectativas?
Fernando Gabeira: Eu acho que, sob certos aspectos, o governo até surpreendeu politicamente. No início, Lula deu algumas declarações, dizendo que a questão do orçamento não impactaria nos gastos sociais e isso deu a impressão de que ele faria gastos sociais, sem se preocupar com o orçamento. Mas não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, o governo conseguiu aprovar uma medida provisória para garantir a execução do orçamento, pois o (orçamento) que Bolsonaro deixou não estava previsto. E, ao conseguir isso, trabalhou-se também um arcabouço fiscal, alguma coisa que pudesse substituir a ideia do teto de gastos. O arcabouço fiscal foi uma fórmula, que determina o que se pode gastar, em função da receita. Ao mesmo tempo, ele (o arcabouço) prevê uma série de novas receitas, que vão garantir essa política social do governo. Então, aquele temor de que o governo gastaria, sem ter uma base, já não existe mais.
DeFato: O mercado realmente teve uma reação muito negativa aos primeiros pronunciamentos de Lula sobre a economia. Por outro lado, houve também uma má vontade com a indicação de Fernando Haddad para ministro da economia…
Fernando Gabeira: E, no entanto, Fernando Haddad está indo bem. Além desse passo positivo do arcabouço fiscal, há uma outra iniciativa, que não vai ter efeito imediato, mas que foi muito importante para o país, que é a reforma tributária. Ela vai liberar medidas produtivas importantes, porque o cipoal fiscal (de impostos) no Brasil é muito complicado. Tanto que as empresas têm que montar grandes departamentos jurídicos para entender o que se passa em cada estado da federação e orientar para o pagamento dos impostos
DeFato: E essa reforma tributária estava em gestação há quase trinta anos. E, com apenas seis meses, o atual governo conseguiu aprová-la…
Fernando Gabeira: Exatamente isso. Eu fiquei muito tempo no Congresso, pois fui deputado durante 16 anos e, naquela época, já se discutia uma reforma tributária. Mas aconteceu um amadurecimento, com uma fórmula de imposto sobre consumo, um imposto único para substituir os outros(impostos). Além das vantagesns, que as empresas começarão a usufruir, quando o pagamento de imposto ficar mais racional, existe também a vantagem para o próprio consumidor, porque ele descobrirá o quanto paga de imposto em cada produto que compra…
DeFato: E poderá haver também uma redução na exagerada carga tributária brasileira…
Fernando Gabeira: Exatamente. Então, é preciso que haja uma alíquota , através da qual a gente calcula. Por exemplo, se você paga imposto sobre determinado produto e a aliquota é de 25%, você divide por 1,25 para ficar sabendo quanto se pagou de imposto. Isso é muito importante. Existe na reforma tributária um pequeno problema, pois na última hora, para aprovar a reforma, fizeram lá, aquilo que os deputados chamam de emendas aglutinativas. Essas emendas envolvem muitas isenções, como isenções para igrejas e clubes esportivos. Isenções até sobre consumos de igrejas. E isso, se for mantido tal como está, vai representar um cálculo de alíquota que pode chegar até a 28%, o que colocará o Brasil num patamar muito alto na cobrança de impostos. Então, vamos esperar para ver o que vai acontecer no Senado.
DeFato: O governo Lula enfrenta o mesmo problema de qualquer governo brasileiro, independente de matiz ideológica: o presidencialismo de coalizão, com o protagonismo do Centrão. O senhor, que teve uma longa experiência parlamentar, já que foi deputado por 16 anos, consegue decifrar o enigma chamado Centrão? Existe alguma fórmula mágica para se deixar de ser refém do Centrão?
Fernando Gabeira: Olha, a solução para isso passa pela redução no número de partidos. O governo de coalizão funciona com muitos partidos. Até já se caminhou para uma redução relativa de partidos. Mas, ainda assim, existem outros fatores que pesam. Um fator muito importante é que os deputados necessitam demonstrar trabalho para as suas bases. E, muitas vezes, exigem que o governo pague emendas parlamentares. O problema é que nunca se pode evitar que os deputados tenham as suas emendas. A solução seria o governo promover uma ação nacional e chamar os deputados para fazer com que todo mundo trabalhe na mesma direção. O grande problema das emendas é o que os deputados levam para a região deles, aquilo que eles acham necessário. Num município vizinho, por exemplo, já tem um determinado equipamento e o dinheiro poderia ter sido gasto de outra maneira. Às vezes, ele leva uma creche para onde não precisa. Então, para se racionalizar isso, o governo precisaria criar uma equipe para negociar com os deputados, não no sentido de não se pagar as emendas, mas no sentido de transformar isso numa coisa mais racional, com mais transparência e benefícios para o povo. No governo Bolsonaro criou-se uma aberração , que foi o orçamento secreto. Eu sempre afirmei que o orçamento secreto era inconstitucional, porque não se pode ter um gasto público sem que o contribuinte saiba a sua destinação.
DeFato: Mas, então, por que o STF não impediu essa ilegalidade?
Fernando Gabeira: Mas acabou sendo impedido porque se chegou ao Supremo(STF). O Supremo julgou e considerou(o orçamento secreto) inconstitucional.
DeFato: Mas isso só aconteceu depois de um grande estrago institucional…
Fernando Gabeira: Depois que mais de R$30 bi já tinham ido para o brejo.
DeFato: a História sempre passa alguma mensagem para a sociedade. A Operação Lava Jato surgiu como uma importante ferramenta de combate à corrupção. E funcionou até que se transformou num projeto de poder. Recentemente, a Justiça Eleitoral cassou o mandato de Deltan Dallagnol, um dos expoentes da Lava jato. Sergio Moro também dificilmente manterá o seu mandato de senador. Que mensagem essa história passa para a sociedade?
Fernando Gabeira: Antes da Lava Jato, já houve uma série de operações contra a corrupção que, de uma certa maneira, falharam. Elas(as operações) chegaram , mas foram desmontadas pelo STF, que alegou que elas não estavam legalmente corretas. A Lava jato foi muito eficiente porque unificou as investigações em três instituições muito importantes. Unificou, num mesmo trabalho, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Procuradoria. Então, a Operação conseguiu um intercâmbio entre essas três entidades, e isso mostrou, de uma forma muito clara, como o dinheiro estava sendo desviado. Outro fator positivo da Lava jato, em determinado momento, é que havia um amadurecimento internacional no sentido de se combater a corrupção. E essa nova relação internacional tornou mais fácil esse combate à corrupção. A própria Suíça, no passado, era um paraíso fiscal. Mas, a Suíça também começou a colaborar. Então, o trabalho conjunto da Polícia Federal, Procuradoria e Receita Federal- junto com a colaboração internacional- fez com que a Lava Jato fizesse um importante trabalho de combate à corrupção, no Brasil. E, mais ainda, a Operação quase provocou um terremoto político no continente, porque a Odebrecht não desenvolvia corrupção apenas no Brasil.Ela(a Odebrecht) levou corrupção para a Venezuela, Equador e, inclusive, provocou o suicídio de um ex-presidente do Peru(Alan Garcia). Agora, evidentemente que havia uma proximidade muito grande entre o Juiz(Sergio Moro) e a procuradoria. E essa proximidade começou a ser revelada pela Vaza Jato. Essa situação desmontou a Operação porque revelou a imparcialidade do juiz. O outro aspecto que enfraqueceu a Lava jato está na própria formulação da sua pergunta. Quando Sergio Moro se aproximou de Bolsonaro, deu a entender claramente que ele(Sergio Moro) estava numa operação política. E, nesse momento, a Lava Jato passou a ser um elemento do Bolsonarismo. E a principal consequência de tudo isso foi a anulação da condenação de Lula. Então, pode-se afirmar que a Lava Jato cometeu uma série de erros, mas houve corrupção. Houve corrupção porque milhões e milhões de reais foram devolvidos. Depois da Lava Jato, a luta contra a corrupção no Brasil vai ficar um pouco mais lenta, um pouco mais na defensiva.
DeFato: Na sua avaliação, a Lava Jato promoveu um trabalho muito eficiente de combate à corrupção. Mas, agora, retornaremos àquele período anterior à Operação?
Fernando Gabeira: Não completamente, mas há um recuo. E, com esse recuo, as pessoas se sentem mais encorajadas (para praticar a corrupção). São situações que se parecem com ondas, que vão e vêm. Em certo momento, a luta contra a corrupção avança bastante, mas depois é obrigada a recuar.
DeFato: A CPI dos atos golpistas começou com muito estardalhaço, mas perdeu o fôlego depois do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid(ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), que permaneceu em silêncio o tempo todo. Qual a sua opinião sobre essa CPI?
Fernando Gabeira: Eu acho essa CPI muito importante, mas muito negada pelo governo, no princípio. Houve um espisódio, que acabou fortalecendo a oposição com o discurso de que o governo foi omisso(na quebradeira de Brasília). O governo, por sua vez, afirmava que já havia investigações em andamento na Polícia Federal e no Supremo Tribunal. Mas apareceram aquelas filmagens mostrando que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional ( general Gonçalves Dias) estava no Palácio do Planalto, no dia da tentativa de golpe. E ele não reagiu da forma que se esperava. Com isso, o governo não conseguiu evitar a instalação da CPI. Mas, na verdade, para uma CPI ser bem feita é preciso que os parlamentares se preparem muito para isso. E, nesse ponto, a Polícia Federal e o STF já tinham avançado bastante. A CPI, porém, avançou pouco. Ela desenvolveu poucos fatos novos. A oposição também tem uma tática que não é muito produtiva. No meu tempo de CPI, a gente procurava documentos, situações e depoimentos para mostrar, através do relatório, que aconteceu um crime, que havia um responsável. A oposição de hoje mudou muito, devido ao advento da internet. Antes das respostas(de algum depoente), ela(a oposição) usa os celulares para entrar em contato com seus espectadores. Ela(a oposição) está muito mais voltada para uma performance nas redes sociais do que propiamente em resolver o problema. Eu sou muito cético com a possiblidade dessa CPI descobrir algo diferente do que já se sabe.