Daniel de Grisolia: a trajetória fulminante de um mito da política itabirana
Em 2023, Itabira comemora o centenário de Daniel Jardim de Grisolia — o mais popular e carismático prefeito da história da cidade. Grisolia completaria 100 anos de idade no dia 23 de fevereiro desse ano. A DeFato revisitará a trajetória política desse ex-vereador e prefeito (por dois mandatos). O enredo fascinante, porém, terminou numa tragédia. Essa história será contada em três capítulos.
No início da segunda metade do século passado, Luiz de Mello Brandão era o grande cacique da política itabirana. Dos anos 1950 até meados de 1960, Brandão mandava literalmente na cidade. Era o Rei Midas de Mato Dentro. Tudo que ele tocava virava votos. O velho político foi uma figura bem típica do Partido Social Democrático (PSD): astuto, inteligente e hábil nas jogadas de bastidores. Uma genuína raposa mineira.
No final de 1950, um jovem começou a agitar a sociedade itabirana. Daniel Jardim de Grisolia (popular DG) pertencia a uma família tradicional. Era filho do médico José de Grisolia, ex-prefeito e conceituado professor do tradicional Ginásio Sul-Americano. Daniel era pessoa de fino trato. Educado, tranquilo e bonachão. Apreciava belas roupas, mesas sofisticadas e uma boa bebida (com pouca moderação).
DG resolveu imitar o pai e tomou os rumos da política. E se deu muito bem. Fez história. Elegeu-se vereador pelo PSD de Luiz Brandão, com apenas 28 anos de idade. Naquela época, os membros do Legislativo Municipal nada recebiam pelos seus trabalhos. A Câmara se reunia apenas uma vez por mês. Tudo muito simples e informal. Os vereadores até levavam açúcar e pó para fazer o café que seria servido durante as sessões.
Para ganhar a vida, o novo político entrou para o ramo do comércio. E inovou. Abriu um bar — muito sofisticado para a época — ao lado do antigo Cine Itabira, na Rua Tiradentes. Em homenagem à corrida espacial, que ora se iniciava, o estabelecimento recebeu o nome de “Sputnik”, primeiro satélite artificial colocado em órbita da terra (uma proeza dos russos).
O bar ocupava dois andares e vivia lotado. O sucesso do empreendimento fez a popularidade do proprietário subir como um… Sputnik. A fama teve consequência prática. No último ano de mandato, Grisolia chegou à presidência da Câmara.
Luiz Brandão estava atento à movimentação do ambicioso e imprevisível iniciante. Uma ação inesperada provocou natural desconfiança. De uma hora pra outra, DG trocou o PSD pelo União Democrática Nacional (UDN). Essa atitude deixou claro que havia cheiro de rebeldia no ar. E as preocupações de Brandão tinham razão de ser. Daniel anunciou sua candidatura a prefeito, nas eleições de 1958. Uma ousadia sem tamanho. Um dono de “boteco” teve a coragem de desafiar o todo poderoso mandachuva de Itabira. O companheiro de “aventura” foi o advogado Ariosto Procópio Alvarenga (o candidato à vice).
Mas Brandão manteve a tranquilidade. “A vitória está no papo”, garantia ele em conversas amenas. Não tinha a menor dúvida de que sairia das urnas com expressiva votação, como sempre. Muito confiante, ironizava o adversário pelos quatro cantos da cidade. E disparava: “basta eu bater na cuia que os votos vêm em minha direção”. Os oposicionistas reagiram e foram para as ruas cantando uma descontraída música do maestro José “Tobias” Caetano: “Nós não somos eleitores de cuia, nós apoiamos a Coligação”, dizia a letra, que fazia referência à “Frente Popular Itabirana” — um grupo de partidos da base de sustentação da dupla Daniel/Ariosto.
E deu zebra. A raposa dançou. O candidato da UDN ganhou por uma diferença de 1.069 votos. Uma “balaiada” para a ocasião. Um resultado histórico, principalmente pelas circunstâncias do pleito. O “piloto” do Sputnik assumiu o governo aos 34 anos de idade — o mais jovem prefeito da história da terra de Drummond. E, até hoje, Daniel de Grisolia mantém essa primazia.
Durante o mandato, o chefe do Executivo enfrentou um sério problema com o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). A abertura de uma via pública provocou a encrenca. Naquele tempo, não existia ligação da Rua Água Santa com o bairro Pará. Um grande precipício, com enormes pedras, impedia esse acesso. Sem formalizar um processo licitatório, o prefeito contratou uma construtora para fazer uma grande obra no local. O despenhadeiro, então, deu lugar à moderna Rua Mestre Emílio. A imprevidência administrativa teve um elevado custo: Daniel foi condenado pelo TCE-MG a pagar o investimento com dinheiro do próprio bolso.
Apesar do entrevero, ele concluiu a gestão sem maiores problemas e manteve-se distante do poder municipal por quatro anos. Nesse intervalo, candidatou-se a deputado estadual e conquistou a primeira suplência.
Uma campanha política — bastante emocionante — estava prevista para 1966. Havia grande expectativa no período pré-eleitoral. Daniel de Grisolia e Luiz Brandão se enfrentariam mais uma vez. Seria um duelo de “vida ou morte”. Todos os itabiranos já sabiam: quem perdesse seria definitivamente alijado da vida pública. Mas, no meio do caminho, pintou uma surpresa: Brandão preferiu não correr o risco de nova derrota e indicou o correligionário José Rita Barbosa para encarar o impetuoso adversário.
Demonstrando muita percepção eleitoral, DG entregou o cargo de vice-prefeito para o delegado e dono do “Hotel dos Viajantes”, Virgílio José Gazire. O chefe de polícia era um homem afável e conciliador. Jamais mandava alguém para a cadeia. Para aqueles que cometiam delitos leves, Gazire sempre tinha um conselho, uma palavra amiga. Por isso, era pessoa querida e respeitada.
A campanha desenvolveu-se num clima de elevada temperatura. Depois de inúmeros comícios — com festas e muita tensão — Grisolia retornou à Prefeitura. Venceu a disputa por pequena margem de votos. O resultado das urnas colocou um ponto final na era Luiz Brandão. Terminou, dessa forma, uma hegemonia de quase duas décadas.
PS1: A imagem, que ilustra esta matéria, mostra o candidato Daniel de Grisolia em campanha no distrito de Ipoema. A fotografia — extraída do site Vila de Utopia — pertence ao arquivo do maestro José Tobias Caetano Belisário.
PS2: Sputnik virou nome de vacina russa na epidemia da Covid-19.