ANM cobra R$ 3,84 bilhões da Vale por sonegação de royalties da mineração; empresa diz que vai recorrer
Cobranças da ANM se arrastam há seis anos e expõem fragilidade na fiscalização do setor mineral; mineradora nega irregularidades

A mineradora Vale está sendo cobrada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) a pagar cerca de R$ 3,84 bilhões em royalties minerais supostamente sonegados entre 2010 e 2017, segundo informações publicadas inicialmente pelo site Metrópoles, em abril. O valor refere-se a 24 processos de cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que tramitam desde 2018 e tiveram auditoria concluída em 2019.
A cobrança milionária destaca uma prática recorrente no setor: a morosidade no pagamento e a fragilidade do Estado em fiscalizar grandes empresas mineradoras.
“A cultura da sonegação”
A Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (AMIG Brasil) considera a cobrança um avanço, mas alerta para o risco de prescrição dos débitos. “Vamos acompanhar cada etapa para que isso não se transforme em mais uma dívida impagável das mineradoras com os municípios”, afirmou Waldir Salvador, consultor da instituição. Segundo ele, transformar a cobrança administrativa em disputa judicial é uma estratégia usada pelas mineradoras para empurrar o pagamento para as calendas: “É como ser notificado pela Receita Federal e dizer que não aceita as regras”.
A AMIG Brasil também critica o enfraquecimento da ANM. Segundo a entidade, atualmente apenas quatro servidores da agência são responsáveis por fiscalizar milhares de processos de CFEM em todo o país. “É impossível que isso funcione”, apontou o presidente da associação, Marco Antônio Lage (PSB). “Estamos falando de um setor que representa 10% das exportações brasileiras e 4% do PIB, sem fiscalização efetiva”.
TCU aponta perda de bilhões
A gravidade da situação foi confirmada por auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou R$ 4 bilhões perdidos por prescrição entre 2017 e 2021 e outros R$ 20 bilhões em créditos lançados, mas ainda não formalizados.
Em 2022, foram apenas 17 fiscalizações para cerca de 39 mil processos minerários ativos no País. O TCU classificou o cenário como um conjunto de “problemas graves”, que favorece o não pagamento da CFEM e gera enormes prejuízos à arrecadação nacional e aos municípios mineradores.
A própria ANM admitiu que não possui dados consolidados sobre a prescrição de CFEM nos últimos cinco anos. A maioria dos processos ainda está em papel e armazenada fisicamente, dificultando o controle e a transparência da cobrança.
Vale diz que vai recorrer
A Vale afirmou que irá apresentar recurso, mantendo a cobrança suspensa até julgamento definitivo pela ANM. A empresa argumenta que há “pontos controversos na legislação da CFEM” sendo discutidos judicialmente e que nos últimos dez anos recolheu R$ 30 bilhões em royalties, em conformidade com as normas legais.
Confira a íntegra da nota da mineradora divulgada ainda no mês de abril:
“A Vale efetua, regularmente, o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e observa tanto as normas aplicáveis quanto os limites constitucionais existentes. Nos últimos 10 anos, recolheu R$30 bilhões em CFEM, distribuídos aos municípios pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
A Vale esclarece que ainda não foi notificada pessoalmente das decisões, que se referem a autuações do período de 2010 a 2017. A empresa irá recorrer e as cobranças ficarão suspensas até decisão definitiva da ANM. Há pontos controversos na legislação da CFEM que estão sendo discutidos por todo o setor mineral e aguardam manifestação definitiva pelo Poder Judiciário.
A Companhia continua empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todas as localidades onde atua, bem como contribuir para o crescimento das economias locais, nacionais e global, por meio de suas operações, investimentos, tributos e royalties. O recolhimento de suas obrigações é parte fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal”.
O que é a CFEM
A CFEM é uma compensação financeira paga pelas mineradoras pela exploração de recursos minerais no Brasil. A arrecadação é repartida entre a União (10%), os estados (15%), os municípios mineradores (60%) e a própria ANM (7%). Em 2018, todo o setor minerário pagou R$ 3 bilhões em CFEM. No ano passado, o valor saltou para R$ 7,7 bilhões.
Apesar do aumento na arrecadação, a persistência de sonegação, a falta de estrutura da ANM e o risco de prescrição dos débitos colocam em xeque a capacidade do país de garantir que as riquezas minerais gerem retorno justo às comunidades impactadas pela mineração.