Plano de saúde é caro e cada vez mais tem a cara do SUS
FOTO: alisson gontijo Fila. Pagando R$ 97 por mês pelo plano, Lilian só conseguiu atendimento após cinco horas de espera alisson gontijo Fila. Pagando R$ 97 por mês pelo plano, Lilian só conseguiu atendimento após cinco horas de espera O que difere o atendimento prestado em unidades públicas de saúde do oferecido em hospitais […]
O que difere o atendimento prestado em unidades públicas de saúde do oferecido em hospitais particulares, conveniados a planos de saúde? Até bem pouco tempo, era fácil listar diferenças que, no final das contas, colocavam os usuários do serviço particular em vantagem em relação aos dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Hoje em dia, no entanto, a coisa não é bem assim. Com 56 milhões de conveniados no Brasil, segundo dados de março da Agência Nacional de Saúde Suplementar, os planos de saúde não são, necessariamente, sinônimo de atendimento de qualidade. Até pelo menos sete anos atrás, quando o setor registrou um "boom" no país, a situação era outra. As reclamações, agora, são ainda mais frequentes em relação ao serviço de urgência e emergência.
Para mostrar as diferenças entre os dois modelos, a reportagem de O TEMPO saiu a campo na última semana, mas voltou com a seguinte conclusão: atualmente, são as precariedades que aproximam usuários do SUS e dos planos particulares.
Longa espera. Eram 8h de um dia de semana quando a operadora de telemarketing Lilian de Araújo, 27, sentiu uma forte dor de cabeça, acompanhada de ânsia de vômito e tonteira. Ela começava o dia de trabalho, mas teve que interrompê-lo para procurar ajuda médica. Mesmo com a cobertura de um plano de saúde, que lhe custa R$ 97 por mês, a consulta que Lilian precisava só veio após cinco horas de espera em um hospital privado de Belo Horizonte.
No Socor, onde procurou atendimento depois de encontrar uma outra unidade saúde completamente lotada, Lilian ficou sentada esperando por um médico por cinco horas. À frente dela, outras 12 pessoas também aguardaram muito para se consultar. "Não sei como aguentei. Foram horas de dor, irritação, ansiedade, mal-estar e fome. A gente paga por um plano e espera ter um serviço diferenciado, mas, hoje em dia, não faz diferença ter ou não ter saúde privada".
A pensionista Tereza Corrêa, 76, é outra que, mesmo com plano de saúde (ela paga R$ 450, por mês, pelo serviço), sofreu na fila para conseguir assistência médica. "Passei o dia inteiro no hospital por causa de uma tomografia. Cheguei no Socor às 8h, fui atendida às 9h e só foram me levar para o exame às 14h. A saúde está um caos e mesmo quem paga caro pelo plano não recebe atenção adequada", afirmou.
Mesmo não sendo uma especialista no assunto, a operadora de telemarketing tem a explicação na ponta da língua: "A diferença, hoje, é que no serviço público não se paga para esperar".
Rede pública. A dona de casa Rosali de Almeida, 43, é um bom exemplo de que rapidez e qualidade há muito tempo deixaram de ser um diferencial de quem paga pelo sistema particular. No mesmo dia em que a operadora de telemarketing esperou por cinco horas por uma consulta na rede particular, Rosali conseguiu que a filha Raiana, 7, fosse avaliada por um médico após uma hora e meia de espera no Hospital Infantil João Paulo II, da rede pública. "Há três anos, a demora era muito maior. Só acho que o médico me atendeu rápido, em menos de 10 minutos", disse a dona de casa.
Rosali conta que não tem condições de pagar um plano de saúde, mas acredita que os sistemas público e privado enfrentam os mesmos problemas. "Nunca tive plano, mas tenho uma amiga que tinha e enfrentava fila. Ela resolveu cancelar e hoje fala que no SUS é melhor atendida".
Poliana Moreira Castro, 30, é outra que diz não sentir falta do plano. Na última semana, ela conseguiu socorro para o pai, Márcio João de Castro, 63, que estava com pressão alta, após 40 minutos de espera no Hospital Municipal Odilon Behrens. "O médico foi ótimo".
Mas nem sempre o atendimento público é rápido. O operador de telemarketing Genílson Ferreira, 20, com crise asmática, esperou quatro horas por uma consulta, no mesmo dia, e no mesmo hospital que Poliana. "Achei demorado, mas a consulta foi ótima. O médico me atendeu com calma e fez muitas perguntas".
O coordenador médico do pronto-atendimento do Hospital Socor, Alex Sander Peres, informou que a longa espera é uma realidade comum a todos os pronto-atendimentos privados da capital nos últimos anos. Segundo ele, não foi o serviço que piorou, o fluxo de pacientes é que aumentou. "O número de pessoas que teve acesso à saúde privada aumentou muito nos últimos cinco anos, mas a capacidade de atendimento dos hospitais não cresceu da mesma forma", admitiu.
No Socor, cerca de 9.000 pacientes são atendidos mensalmente no pronto-socorro. A grande demanda, de acordo com o coordenador, esbarra no problema do déficit de médicos e na limitação da estrutura física do hospital. "Essa é uma cadeia de problemas: a demanda crescente, a falta de médicos e falta de espaço para ampliarmos o hospital e, consequentemente, o atendimento. Não podemos contratar médicos se eles não terão salas para trabalhar", explicou.
Para Peres, o crescimento da demanda em hospitais particulares vai de encontro com o interesse das operadoras de plano de saúde de vender e a falta de compromisso das mesmas com a qualidade do serviço.
"Deveria ter uma fiscalização maior na comercialização dos planos de saúde. As operadoras estão muito mais interessadas em vender que assistir com qualidade. Houve o deslocamento do paciente da rede pública para a privada, por isso somos hoje o espelho da rede pública". (CCo)
Em 2009, pelo décimo ano consecutivo e para a tristeza de mais de um quarto da população do país que paga pelos serviços, os planos de saúde lideraram o ranking de reclamações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com quase 23% dos registros.
Reajustes abusivos, negativas de cobertura e serviços ruins em termos de qualidade – item que enquadra o longo tempo de espera por atendimento em hospitais e consultórios particulares – são os motivos de maior insatisfação dos clientes-pacientes.
Atualmente, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão do governo federal que normatiza a atividade, pouco mais de 56 milhões de brasileiros contratam planos de saúde, que estão distribuídos entre 1.698 operadoras em atividade no país. O número de beneficiários desses planos cresceu 34%, entre 2003 e 2009.
A advogada do Idec, Juliana Ferreira, recomenda atitude aos usuários dos planos de saúde. Em outras palavras, quem se sentir lesado tem que correr atrás dos seus direitos e cobrar da empresa a solução para o problema. “O consumidor tem que buscar seus direitos e deixar de ser refém das empresas de saúde privada”.
Ela aconselha que, logo após o incidente que motive a insatisfação, o consumidor faça uma reclamação formal junto à operadora, de preferência em papel protocolado e enviado por correio à empresa. Caso isso não funcione ou não gere a solução rápida do problema, o cliente deve, então, procurar a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), órgão que tem poder de penalizar por meio de multa a operadora de saúde.
Aliado a tudo isso, o consumidor insatisfeito deve fazer uma reclamação formal junto à ANS, para que os problemas cheguem diretamente ao órgão regulador do setor. No último caso, a advogada indica que o consumidor acione a Justiça.
“O Idec não é só um órgão que defende o consumidor, mas também incentiva a cidadania. Por isso, defendemos a saúde pública com mais qualidade. Quando tivermos uma saúde pública de qualidade, não precisaremos de saúde privada. Então, enquanto isso, a saúde privada tem que ser de qualidade”, afirmou.
Limite. Até setembro deste ano, a ANS espera estipular, por meio de uma normatização, o tempo máximo de espera por consulta e atendimento hospitalar do paciente que contrata serviço de plano de saúde. Após a fixação desse limite, a operadora do plano de saúde que não cumprir com a nova norma, poderá ser multada pela agência.
Para chegar a um consenso sobre o limite máximo de espera, a ANS dará início a uma pesquisa pela internet junto às operadoras de planos de saúde. Para elas, será questionado qual é o tempo médio de espera das demandas das especialidades básicas em hospitais de diversas complexidades de seus clientes.
Segundo o diretor de normas e habilitação de operadoras da ANS, Alfredo Cardoso, o acesso à saúde suplementar tem que ser mais racional no Brasil e o tempo de espera do paciente “tem que ser menor”.
“A proporção ideal da quantidade de pacientes por prestadores do serviço médico varia de acordo com a população e com a região do país, pois as realidades são diferentes em cada Estado. Com a pesquisa poderemos chegar a um limite de tempo de espera justo para cada região. O que tem que existir é um acesso mais racional à saúde privada para que o tempo de espera de um paciente seja menor. É por isso que ele paga por um plano de saúde”.
O Procon de Belo Horizonte recebe diariamente reclamações de usuários insatisfeitos com os planos de saúde. Só no ano passado foram registradas 833 queixas e aplicadas 450 multas às seguradoras. Entre janeiro e maio deste ano foram 300 multas e 279 reclamações. No mesmo período de 2009, foram 260 queixas.
A coordenadora do órgão, Maria Laura Santos, explica que uma equipe de fiscalização apura as denúncias. A empresa é notificada e, se as reclamações são comprovadas, é aplicada uma multa que varia de R$ 300 a R$ 3 milhões, dependendo do faturamento bruto anual da empresa.
Maria Laura diz que, para registrar a queixa, o usuário só precisa apresentar os documentos pessoais e o contrato com o plano. “O ônus da prova é do fornecedor do serviço. Nesse caso, o plano de saúde. A empresa precisa provar que está correta”. (Tâmara Teixeira)
Na próxima semana, os deputados da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Assembleia Legislativa deverão se reunir com o diretor geral da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para pedir que seja criado um limite para as empresas de comercialização de novos planos de saúde.
A intenção é criar um mecanismo para que as seguradoras só possam vender a cota de planos que tenham estrutura para atender. O vice-presidente da comissão, deputado Délio Malheiros (PV), diz que o ideal seria que os planos apresentassem a capacidade que têm de leitos e médicos antes de vender o serviço.
“O objetivo é fazer com que as empresas só possam comercializar os serviços obedecendo uma proporcionalidade. Hoje, não há limite algum e a seguradora pode vender um milhão de planos mesmo sem ter condições para isso”, disse Malheiros. (TT)