A difícil arte de dizer o que se pensa

Mesmo garantida na Constituição Federal, a liberdade de manifestação do pensamento ainda é pouco compreendida, ainda mais em tempos de redes sociais

A difícil arte de dizer o que se pensa

“Penso, logo existo”. A mais célebre frase do filósofo francês René Descartes, publicada pela primeira vez há cerca de 400 anos, ainda respira atualidade. Em um mundo transformado a cada dia pelo bombardeio de novas informações, advento de tecnologias, interações em tempo real – e sem filtros -, o ato de pensar ganhou ainda mais importância. Manifestar esse pensamento, porém, é uma arte difícil, sobretudo em tempos de redes sociais.

Dizer o que pensa é uma ação tão importante que ganhou até mesmo um ponto de destaque na Constituição Federal de 1988. Em seu Artigo 5º, no Inciso IV, a Carta Magna reserva aos brasileiros a “Liberdade de Manifestação do Pensamento”, ao dizer que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. No mesmo artigo, mas no Inciso IX, a Constituição ainda diz que é “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

O Artigo 5º é um ponto dos mais importantes da Constituição Federal, especialmente se analisarmos o momento em que o conjunto de leis que rege o país foi escrito. O Brasil acabava de sair de uma ditadura militar, período em que a manifestação do livre pensamento foi duramente perseguida e violada. Artistas foram presos e exilados, jornalistas torturados. Pensar era ato perigoso.

Passaram-se os anos e manifestar o pensamento continua sendo uma tarefa árdua. Na terra sem lei – ou de desrespeito às leis – que se transformou a internet, há muita gente disposta a falar o que pensa, mas poucos com noção das conseqüências. Há limite para a liberdade de expressão? Sim, há! E a própria Constituição os estabelece.

O primeiro limite é o anonimato. Quem diz o que pensa deve se mostrar, não se esconder por trás de perfis mentirosos. A covardia não combina com a liberdade de manifestação do pensamento. O segundo limite é a defesa da intimidade, da honra e da imagem, direitos invioláveis e passíveis de indenização quando atacados. É uma linha tênue e de difícil avaliação. Até mesmo os juízes de Direito têm dificuldade de julgar se houve ou não a violação.

Outra dificuldade do ato de falar o que pensa está na reação do receptor. Na era do “cancelamento” e do linchamento virtual não é raro pessoas que optam por não dizerem o que vem à cabeça por causa da repercussão pouco amistosa daqueles que não reconhecem esse direito. Ataques fervorosos e discursos de ódio estão silenciando pessoas. E o que é isso senão uma nova ditadura? Uma ditadura virtual, com exércitos implacáveis e muito dispostos a atuar.

Eu não sou obrigado a concordar com o que você diz. Da mesma maneira que você, leitor, pode achar uma coleção de baboseiras tudo o que eu escrevo. A discordância é do jogo e faz bem para a democracia. O que não dá é para transformar em arma um direito dos mais bonitos que nós temos. Unamos-nos para que pessoas não sejam silenciadas. Viva a liberdade de pensamento!

Gustavo Milânio
Advogado
Chefe de Gabinete do presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE)

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