A responsabilidade fiscal e a responsabilidade social

“Sem responsabilidade fiscal não é possível melhorar o social”

A responsabilidade fiscal e a responsabilidade social

O destaque da semana passada foi a “barulheira”, como bem definiu o ministro da economia Paulo Guedes, em torno do Renda Brasil e das prováveis fontes de recursos para financiar o repaginado programa social do governo Bolsonaro. A conscientização da população brasileira em torno das dificuldades financeiras do Brasil deveria ser prioridade dos três poderes mas ao contrário da realidade, a maioria dos integrantes do executivo, do legislativo e do judiciário, em todos os níveis, age como se estivéssemos na ilha da fantasia, com situação fiscal equilibrada e dinheiro dando em penca na República de Bananas. 

É preciso coragem para encarar a realidade, é preciso memória para não cairmos em tentações populistas e retrocedermos a um recente passado catastrófico de descontrole fiscal que nos deixou como herança a maior crise econômica da nossa história e que pode ser até mais intensa do que a que estamos vivendo agora com a pandemia do Covid-19.

Não estamos aqui questionando a necessidade dos programas sociais e nem a função do Estado em criá-los em defesa dos mais vulneráveis, mas estamos sim, questionando a qualidade e a quantidade dos mais diversos programas que foram implantados em série a partir do primeiro mandato do presidente Lula e ao longo dos governos petistas até a saída da Presidente Dilma Rousseff, em 2016. Alguns destes programas consumiram bilhões de reais durante anos com níveis de efetividade questionáveis.

A partir de 2012, ainda no primeiro mandato de Dilma Rousseff, pela primeira vez na história, mais de 50% do Orçamento da União foi destinado ao pagamento dos mais diversos benefícios, e, com mais da metade do orçamento comprometido com a distribuição de renda , os investimentos em setores cruciais como infraestrutura, educação, segurança e saúde foram comprometidos. 

Muito se gastou com educação e com programas na área da Educação mas os indicadores de desempenho dos estudantes brasileiros, em especial da rede pública, só pioraram durante este período e por incrível que pareça, a melhora no IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica só ocorreu em 2019, principalmente no ensino fundamental, em um ano marcado por contingenciamento de recursos na área educacional mas com a mudança de presidente e de governadores em vários Estados da União, dentre eles Minas Gerais,  que obteve a melhor performance da história.

Apenas dois Estados (Goiás e Pernambuco) cumpriram as metas de aprendizagem e aprovação no ensino médio público em 2019. Na avaliação anterior, de 2017, também os dois haviam sido os únicos a atingir o resultado esperado para o período.

O indicador nacional subiu de 3,5 para 3,9, o maior avanço da série, mas ainda está distante da projeção de 4,6, sempre considerando o ensino médio público. Em Minas, no ensino médio o IDEB saltou de 3,6 para 4 ficando 3 décimos acima do melhor resultado alcançado em 2011.

Fonte: Inep

Eu estou usando a educação como um exemplo de como o dinheiro público no Brasil vinha sendo gasto em grande quantidade mas sem a contrapartida da melhora da qualidade. E, é por isso que temos e que podemos sonhar em fazer um programa social de renda mínima com um benefício maior  e atendendo a um número maior de brasileiros com transparência , critérios e fiscalização rigorosa na ponta do beneficiário.

Essa repaginação do Bolsa Família é na verdade uma oportunidade de avaliarmos os programas existentes e entendermos os que podem ser suprimidos sem prejuízo dos atuais beneficiários e os que podem ser aprimorados. Critérios rígidos de cadastro e comprovação que já começaram a ser implementados para o recebimento do auxílio emergencial, uso da tecnologia para a validação do beneficiário e a distribuição dos recursos podem economizar bilhões de reais que podem ser revertidos em prol dos próprios programas.

Para evoluir , melhorar e reformar as políticas públicas de renda mínima é necessário estudar e propor mudanças capazes de atender o objetivo social sem causar a desordem fiscal e até encontrarmos o desenho mais apropriado que consiga aumentar ao máximo o benefício e as pessoas atendidas é normal que estes ruídos ou essas barulheiras aconteçam o que , na minha opinião, só reforça a preocupação do governo com a melhora do social mas respeitando o fiscal. Abaixo, o comportamento do saldo das contas públicas e do PIB nos últimos 20 anos, e fica clara a desordem fiscal a partir de 2014 e o preço pago pela economia como um todo até 2016. 

Fonte: Banco Central
Fonte: Banco Central

Quando a gente compara os anos de responsabilidade e de irresponsabilidade fiscal com o PIB queremos mostrar que o crescimento econômico que permite à União, aos estados e municípios aumentarem as suas arrecadações e consequentemente aumentarem os seus investimentos em bens e serviços coletivos para atingir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil como reza a constituição, só é atingido e só será sustentável através da gestão eficiente do dinheiro público que é avaliada pelo desempenho das contas públicas, ou seja, pela busca do equilíbrio fiscal e no nosso caso hoje, em um segundo momento, pela busca do superávit nominal das contas públicas.

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Resumo da ópera : sem responsabilidade fiscal não é possível melhorar o social porque o dinheiro para financiar as políticas públicas é arrecadado a partir das atividades econômicas e um ambiente econômico saudável só existe em países, estados e municípios com credibilidade e a credibilidade nasce e é preservada com a boa gestão do dinheiro do contribuinte que é revertido em investimento público de qualidade em saúde, educação e segurança.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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