A semana da China e da vacina

Otimismo pelas boas notícias referentes à vacina contra a Covid-19 contrastam com o crescimento da tensão entre Estados Unidos e China

A semana da China e da vacina

Tivemos uma semana mais difícil, mais volátil e com direito a rima, uma verdadeira poesia de mercado. De um lado o otimismo com a possibilidade de uma vacina contra a COVID-19. Do outro, o pessimismo com o aumento da tensão no relacionamento entre EUA e China. Além das permanentes e crescentes tensões entre chineses e americanos, tivemos ainda números inesperados do comportamento da economia chinesa com surpresas agradáveis, como foi o caso do crescimento do PIB, e decepcionantes, como foi o recuo das vendas ao varejo.

O PIB chinês, depois de recuar 6,8% no primeiro trimestre do ano, cresceu 3,2% no segundo trimestre, acima da projeção dos mais otimistas que previam um crescimento de 2,6%. Mas a comemoração pelo crescimento acima da média do PIB foi ofuscada pela queda inesperada das vendas ao varejo, que recuaram 1,8% e registraram o sexto mês consecutivo de queda. Se o varejo não ligar as turbinas, a indústria que tanto contribuiu e contribui para a formação do PIB chinês (representa cerca de 50%), e que cresceu 4,8% em junho, depois de ter crescido 4,4% em maio, acaba sendo contaminada pela queda das vendas ao varejo chinês e por um menor volume de importações do resto do mundo dada a queda de consumo provocada pela pandemia.

A China é o parque industrial do universo, cerca de 10% de todos os produtos manufaturados do mundo são produzidos lá. O sinal mais forte da semana vindo da economia chinesa foi o crescimento tanto das exportações como das importações. Esse dado ajudou na alta de commodities, como o minério de ferro, que encerrou a semana valendo mais US$ 110,00/t. Na zona do Euro, a confiança do empresariado alemão recuou em junho na comparação com maio e as vendas ao varejo no Reino Unido vieram abaixo do esperado. Esses dados mistos, ora acima do esperado, ora abaixo do esperado, trouxeram um maior nervosismo ao mercado. E este nervosismo foi alimentado ainda pela troca de sanções entre americanos e chineses.

A nova lei de segurança nacional imposta a Hong Kong pelo governo de Pequim levou os EUA a impor sanções a várias empresas chinesas, proibir o uso da tecnologia 5G da Huawei em território americano e acabar com o status especial de Hong Kong, o que na prática impede empresas americanas de exportarem tecnologia para empresas chinesas. Trump pode até mesmo restringir a entrada de membros do partido comunista chinês nos EUA.

Na terça, a possibilidade da descoberta e uso de uma vacina contra a COVID-19 causou uma verdadeira euforia no mercado, com bolsas em alta e dólar e juros em queda. Mas, como não existe manchete que dure mais do que 24 horas se a notícia não virar fato… enquanto a vacina não vem, o nervosismo volta, e, desde quinta feira, o avanço da COVID-19 nos EUA e as tensões da relação EUA x China apagaram a euforia com a vacina.

Depois da forte correção do valor das empresas negociadas em bolsa, desde a segunda quinzena de maio, temos convivido, a partir do início de julho, com um mercado mais arisco, e o nome disso no economês é “volatilidade”. Abril foi o fundo do poço dos indicadores econômicos e agora resta ao mercado analisar os números que começam a sair do forno: os indicadores econômicos de junho, os balanços do segundo trimestre (a safra começou a ser divulgada na segunda, nos EUA) e os números de julho para entendermos a velocidade e a intensidade da retomada da atividade econômica aqui e no resto do mundo. Como os mercados antecipam e já anteciparam nas últimas semanas a retomada da economia, será que os níveis de preços atuais praticados nos pregões refletem a intensidade da retomada ou será que o mercado financeiro está muito mais otimista do que o real comportamento da economia?

Aqui no Brasil os principais indicadores divulgados na semana passada, o IBC-BR e o IPCA, frustraram o mercado sob a ótica da retomada. O IBC-BR, que é o índice de atividade econômica medido pelo Banco Central, uma espécie de primo do Produto Interno Bruto (PIB) – que é o indicador oficial e que é medido pelo IBGE -, veio bem abaixo do esperado. Na média a expectativa era de um crescimento da economia de 5,0%, os mais otimistas chegaram a projetar 13,0% de alta e os mais pessimistas 3,0% de alta. O crescimento de apenas 1,31% em maio na comparação com abril foi um balde de água fria nas expectativas de um crescimento mais forte.

O susto do número de maio aumenta quando olhamos para a queda de 9,45% de abril, o fundo do poço. Diante do tamanho da queda, esperava-se um crescimento muito maior. O principal responsável por esta fraqueza foi o setor de serviços que apresentou uma retração de 0,9% em maio. Parece que a boa surpresa será verificada em julho, com uma maior flexibilização do isolamento social em São Paulo e no Rio de Janeiro e em outros estados do Norte e Nordeste, como Amazonas, Pernambuco e Ceará, que já se encontram em uma fase de maior controle do vírus e, consequentemente, de maior flexibilização do isolamento social.

O IPCA, que também é medido pelo IBGE, e que mede a inflação oficial do Brasil, veio abaixo do esperado. Em junho, na média, os preços subiram 0,26% e a expectativa era de uma alta de 0,38%. Nos últimos dois meses, o IPCA apresentou deflação e em 2020, a inflação no Brasil é de 0,1%. Uma inflação mais fraca do que o esperado em período de retomada da economia mostra que a intensidade e a fome de consumo é quase inexistente. Se a atividade econômica está crescendo menos do que se esperava e se a inflação (alta generalizada dos preços) está, próxima de zero, parece existir ainda espaço para o que o Banco Central chamou de ajuste residual na taxa básica de juros, a SELIC, que pode ser reduzida para 2% na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.

Para esta semana, a reforma tributária na mesa do Congresso a partir de terça-feira e a proposta do governo em investir R$ 35 bilhões em obras paralisadas com dinheiro do orçamento de guerra devem centralizar a pauta e mexer com as expectativas dos investidores, enquanto esperamos pela vacina e pelo fim das tensões entre EUA e China.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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