Crescimento x Inflação

Leia o novo texto da colunista Rita Mundim

Crescimento x Inflação

O evento mais importante da semana passada foi a divulgação da ata da reunião do COPOM, Comitê de Política Monetária do Banco Central, que decidiu elevar por unanimidade, e, pela segunda vez consecutiva, a taxa básica de juros, a SELIC, em 0,75 ponto percentual, de 2,75% a.a. para 3,5%a.a. . A decisão já havia sido comunicada ao mercado desde a última reunião, mas todo mundo esperava ansiosamente pelo teor do comunicado que vem junto com a decisão. Será que o aperto monetário vai continuar? Essa era a pergunta a ser respondida. E assim veio a resposta:

“Neste momento, o cenário básico do Copom indica ser apropriada uma normalização parcial da taxa de juros, com a manutenção de algum estímulo monetário ao longo do processo de recuperação econômica. O comitê enfatiza, entretanto, que não há compromisso com essa posição e que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação.

Para a próxima reunião, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude. O Copom ressalta que essa visão continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação.”

Resumo da ópera: A ata praticamente repetiu o comunicado e parte do mercado não gostou da normalização parcial da taxa de juros e muito menos da manutenção de algum estímulo monetário ao longo do processo de recuperação econômica que no bom português quer dizer que o Banco Central pretende continuar trabalhando com uma taxa de juros abaixo da inflação para estimular a atividade econômica em tempos de pandemia.

Mesmo com a promessa contida na ata de que o Banco Central elevará novamente a SELIC em 0,75 ponto percentual na próxima reunião, parte do mercado acha que os juros no Brasil já deveriam estar próximos da neutralidade, ou seja, algo em torno de 5,5% já que a inflação anualizada já está acima de 6% a.a. e o teto da meta para inflação em 2021, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, é de 5,25% a.a. .

A manutenção dos juros abaixo da inflação anualizada e da inflação projetada pelo mercado é o estímulo dado pela política monetária para a recuperação da atividade econômica já que estimula a permanência e a migração do dinheiro para o setor produtivo que pode oferecer taxas de retorno maiores do que as das aplicações financeiras, apesar do risco. Nesse nível de taxa, 3,5% a.a., a caderneta de poupança, por exemplo, remunera a aplicação em 2,45%a.a., menos da metade da inflação anualizada hoje, 6%a.a.. O papel do Banco Central neste momento , na minha opinião , é o de combater a inflação mas tentando manter sempre o menor nível de juros possível em função do tamanho da crise econômica e da necessidade de velocidade na recuperação.

Além disso , a cautela do BC em subir os juros tem suas razões pois a inflação está desacelerando e o dólar com o excelente desempenho da balança comercial, recorde histórico em abril, com mais de US$10 bilhões de superavit e o início das rodadas de leilões de concessões tem caído muito em relação ao real. Só neste mês , a queda é de quase 3 % , e o dólar que no pior momento do stress do orçamento flertava com a marca de R$6,00 agora está cada vez mais próximo de R$5,00.O BOFA, Bank of America, fez um estudo e concluiu que o real foi a moeda emergente mais depreciada durante a pandemia e que deveria valer hoje R$4,26.

Na sexta feira , o risco Brasil fechou no menor nível desde fevereiro e a nova lei do gás e o marco do saneamento devem trazer bilhões de dólares em investimento. O ministro da economia, Paulo Guedes, também acredita que o real está muito depreciado em relação ao dólar e que pode passar por uma correção com a aprovação das reformas e com a intensificação dos processos de privatização.  

Na quarta-feira, foi divulgado o índice de inflação ao consumidor nos EUA e a disparada dos preços acima das expectativas causou um tsunami no mercado financeiro global. A inflação americana em abril foi de 0,8%, e, anualizada a alta de preços nos EUA já está em 4,2%. A primeira leitura do mercado foi a de que os juros nos EUA poderiam ser elevados antes do previsto (2023) e que parte dos estímulos poderiam ser retirados, e, como consequência as bolsas desabaram, o dólar se fortaleceu e os juros futuros dispararam.

Na quinta e na sexta feira os dirigentes do Federal Reserve (Banco Central americano) entraram em campo para acalmar os mercados e insistiram e repetiram o discurso de que essa alta de preços é transitória e de que o foco é a retomada da economia e a volta ao pleno emprego. Na sexta feira os números das vendas ao varejo e da produção industrial dos EUA em abril vieram abaixo do esperado e ajudaram a reforçar o discurso do Federal Reserve sobre a necessidade de manutenção dos estímulos e dos juros nos níveis atuais. 

Aqui no Brasil, a desaceleração da inflação, mesmo que tímida, o excelente comportamento da balança comercial com o agro e a indústria extrativa bombando, a melhora do fluxo de investimento estrangeiro para o País e o ritmo de retomada da economia americana mais lento do que se esperava podem justificar o cuidado do Banco Central na calibragem dos juros, e, afinal de contas, a hora é a de priorizar a economia real.

Uma coisa é certa, o nível de risco global está bem mais elevado, e, de agora em diante, as ações que antes se concentravam na retomada da atividade econômica passam a ser divididas com o acompanhamento e controle da inflação, em especial, nos países emergentes como o Brasil. Diante desse cenário de necessidade de crescimento e alta de preços, a volatilidade, que é a amplitude de oscilação de preços dos ativos deve ser a rainha dos mercados.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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