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Denúncias e reação a atos de racismo crescem com ativismo e tecnologia

Denúncias e reação a atos de racismo crescem com ativismo e tecnologia

A cozinheira Eliane Aparecida de Paula foi vítima de racismo em prédio na área nobre de São Paulo - Foto: Arquivo/Pessoal

O dentista Igor Palhano conta que foi impedido de sair do shopping ParkJacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, em 3 de março, porque os seguranças desconfiaram que sua moto, uma CBR vermelha, era roubada. Mesmo após mostrar documentos, o negro de 30 anos só foi liberado com a escolta de seguranças. O shopping nega a prática de racismo.

O episódio vivido por Palhano, filho do humorista Mussum, ilustra um novo momento das denúncias de racismo no País, facilitadas pela tecnologia e pelo alcance das redes sociais. Como pano de fundo, há ainda o avanço do ativismo negro.

Dados do Ministério Público de São Paulo mostram que os procedimentos para investigar denúncias de injúria qualificada (com base no Código Penal) saltaram de 97, em 2020, para 708 no ano passado.

Por “procedimentos” entende-se inquéritos, notícias de fato, termos circunstanciados, medidas cautelares, flagrantes e procedimentos investigatórios.

A alta também foi significativa nos casos de preconceito de raça ou de cor baseados na Lei Antirracismo (Lei 7.716), que passaram de 265 em 2020 para 427 no ano passado.

“Os dois tipos penais concentram condutas criminosas que se relacionam com aquilo que se denomina como delito de intolerância e de ódio”, explica o promotor de Justiça Arthur Pinto de Lemos Junior, secretário Especial de Políticas Criminais do MP.

Já a Secretaria da Justiça e Cidadania paulista reporta 134 denúncias apenas no primeiro trimestre de 2022. Em 2021, foram 155 e em 2020, 49.

Há casos até de agressão física. Em 22 de outubro, a cozinheira Eliane Aparecida de Paula, de 42 anos, chamava um carro de aplicativo na porta de um edifício na Rua Oscar Freire, região nobre, quando foi abordada por uma moradora.

“Que negra estranha. O que essa negra está fazendo aqui? Foram as primeiras coisas que ela me disse”, conta Eliane. Após breve discussão, a moradora começou a agredi-la com puxões de cabelo e joelhadas.

No dia 28 de março, Eliane fez representação criminal contando com o vídeo das câmeras de segurança. O caso foi registrado como injúria racial e lesão corporal e os depoimentos serão ouvidos nesta semana.

Crianças também são afetadas. No mês passado, a colunista do jornal O Estado de S. Paulo Suzana Barelli percebeu que seu filho de 10 anos estava sendo vítima de racismo. Ele foi confundido com um pedinte por um controlador de acesso na Amor aos Pedaços, em Perdizes.

Suzana sabia que precisava de provas — episódios anteriores indicavam que só seu relato não ia adiantar.

Ela conseguiu gravar a abordagem e pretende processar a Instant Center, que administra o centro comercial, a empresa de segurança Gradual e a franquia de doces.

Visibilidade

Os casos de racismo estão mais visíveis, mas não necessariamente ocorrem em maior número, diz Leizer Pereira, fundador e diretor executivo da Empodera, voltada para a promoção de diversidade e inclusão nas empresas. E a razão disso é a internet. José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, opina que a combinação do uso do celular para produzir provas com a amplificação de vozes nas redes é chave para entender o cenário.

O movimento negro também entra na equação, segundo o professor Ricardo Sales, CEO e sócio-fundador da Mais Diversidade. Para ele, a população está tomando mais consciência. “Sem dúvida, isso é mérito dos movimentos.”

Secretário da Justiça e Cidadania, Fernando José da Costa diz que o aumento de denúncias reflete uma mudança de comportamento.

O dentista Palhano, por exemplo, diz que já tinha sido vítima de racismo, mas foi a primeira vez que decidiu denunciar. “Quando me privaram de sair, eu acordei.”

Outro consenso entre especialistas é a existência do racismo estrutural na cabeça das pessoas e na atuação das instituições. Por outro lado, afirmam, a recorrência dos casos exige medidas urgentes. “Falta acolhimento das denúncias. Muitas vezes, ninguém é preso”, diz Leizer Pereira.

Em parceria

Desde novembro, o Procon Racial vem recebendo denúncias sobre situações de racismo. Resultado de parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, o projeto tem um canal no site do Procon-SP, uma equipe de fiscalização e um posto de atendimento na universidade. A ideia partiu do professor José Vicente.

Desde o início do ano, foram 26 denúncias. Segundo o diretor executivo do Procon-SP, Guilherme Farid, ainda não houve multa porque os processos são feitos de modo criterioso, para evitar que sejam revertidos no Judiciário. “Além de fiscalizar, vamos educar.”

No caso do dentista Palhano, o shopping diz que “ao tentar sair do estabelecimento sem a apresentação do ticket de estacionamento, foi solicitado ao cliente apresentar documentação”. Ainda segundo a nota, “o cliente utilizou a cancela de carros para acessar o interior do estacionamento destinado apenas a automóveis, não utilizando assim o estacionamento de motos, que é gratuito”.

Em São Paulo, a Instant Center, administradora do CCS Perdizes, afirma que “permanece em total apoio e irrestrita solidariedade à família da Sra. Suzana Barelli”. A empresa informa que “já está em tratativas com a empresa terceirizada para treinamento dos colaboradores”.

Em nota, a Gradual Terceirização informou que já “tomou as devidas providências em virtude do fato”. A empresa ainda afirmou que “o colaborador em questão possui índices de qualidade no atendimento” e que, por isso, investirá ainda mais no treinamento dele.

A doçaria Amor aos Pedaços informa que já se posicionou contra casos de racismo. “Nossa equipe é formada em 67% de colaboradores negros, pardos e amarelos, sendo em cargos de gerenciamento, 62,5%. Está em nosso DNA ter uma política acolhedora e antidiscriminatória”. A empresa informa que está “adotando todas as medidas jurídicas cabíveis”.

* Por Gonçalo Junior, do Estadão Conteúdo.

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