Especial Dia da Mulher: o cardume das mulheres atingidas pelo projeto Minas-Rio, da Anglo American

Como são as experiências das mulheres das comunidades Gondó, Córregos e Passa Sete, atingidas pela mineradora Anglo American

Especial Dia da Mulher: o cardume das mulheres atingidas pelo projeto Minas-Rio, da Anglo American
A comunidade de Gondó é um dos territórios atingidos pela mineração da Anglo American. Foto: Foto: Kennet Anderson

Um cardume. É assim que Marli Peixoto, de 25 anos, descreve a comunidade onde vive. Gondó fica no município Conceição do Mato Dentro e é um dos cardumes ameaçados pela Anglo American. A mineradora é responsável pelo projeto Minas-Rio, que também se estende para os municípios Alvorada de Minas e Dom Joaquim. 

Os impactos vão desde a poeira do minério que invade as casas até a insegurança ao sair delas. Atualmente, Marli mora com seus dois filhos – uma menina de sete anos e um menino de cinco – em um terreno que divide com sua mãe. Criar duas crianças num território atingido por mineração traz desafios inesperados: “Elas se assustam muito com as explosões e o desmonte da Anglo ali na serra. As crianças de Gondó se assustam muito porque é uma coisa que você não espera”. 

Lilian Costa, de 45 anos, também precisou educar a filha adolescente para lidar com os efeitos da mineração predatória. Ela conta que se mudou do município Congonhas do Norte para o distrito Córregos quando a menina ainda tinha quatro anos. “Aí, foi crescendo, tudo foi mudando e agora ela entende os impactos, porque começa a estudar também. A gente vai explicando o que acontece, o que tinha antes e o que não tem hoje mais…”

Moradores do distrito de Córregos lutam para ser reconhecidos como pessoas atingidas pela Anglo American. Foto: Foto: Kennet Anderson

Lilian cita nascentes e fazendas que pertenciam ao distrito de Conceição do Mato Dentro e que não existem mais. Em contrapartida, surgiram novos visitantes. 

Elizete Pires tem 24 anos e mora na comunidade conceicionense Passa Sete, a 1,8 km de uma barragem da Anglo American. A estudante de Licenciatura em Educação do Campo conta que a aparição de animais selvagens, como onças e serpentes, se tornou corriqueira. “Apareceu muito quando eles começaram mesmo a desmatar a serra, a explorar. São relatos de pessoas que veem. Atualmente, tem aparecido mais onças, uma coisa que a gente não via muito aqui. Meu irmão encontrou uma onça parda aqui perto de casa”, afirma. 

As queixas são acolhidas pela Assessoria Técnica Independente (ATI) que atua nos territórios atingidos pelo Minas-Rio. A ATI 39 do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) foi a responsável por cadastrar as 354 famílias atingidas e afirma que mais da metade dos questionários foram respondidos por mulheres.

Segundo o Nacab, a maioria dessas mulheres é preta ou parda, tem baixa escolaridade e baixa renda. 59,4% das mulheres que responderam ao questionário na comunidade Beco, em Conceição do Mato Dentro, têm o Ensino Fundamental I incompleto e 33,3% ganham até um salário mínimo. Na comunidade São José do Jassém, em Alvorada de Minas, das 38 mulheres entrevistadas, 32 são pretas ou pardas, 27 têm o ensino fundamental II incompleto, e 35 recebem até um salário mínimo.

Violência

Os animais selvagens não são as únicas presenças diferentes que trazem perigos. 

Um estudo técnico feito pela ATI entre 2021 e 2023, a partir de demandas das pessoas atingidas, aponta indícios de violência contra mulheres nesses territórios. O estudo entregue à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável em junho de 2023 revela ocorrências de violência doméstica, abandono parental e falta de rede de apoio.

Entre os acolhimentos feitos e sistematizados pela ATI, a analista multidisciplinar ligada ao estudo, Allany Souza, apontou relatos de mulheres agredidas por seus companheiros. 

Além disso, os indícios de assédio e de gravidez seguidos de abandono também foram relatadas por Elizete Pires: “Quando a empresa chegou, trouxe muita violência – muito assédio para a região. Aumentou demais a violência contra a mulher, principalmente contra jovens. Épocas em que tiveram muitas adolescentes grávidas por causa de gente que veio de fora. Crianças, algumas”. 

O estudo realizado pela Nacab registra a submissão de crianças e adolescentes a chamados “casamentos” com homens mais velhos, além de uma consequente evasão escolar.

Se, antes, era um costume caminhar sozinha pela rodovia MG-010, agora Elizete precisa que seu pai a acompanhe para pegar um ônibus, por exemplo. “Mulher dificilmente anda na MG-010 sozinha, porque aumentou o tráfego de caminhões e acontece muito assédio, principalmente com caminhoneiros”, conta. 

Em entrevista à DeFato, a Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica, Patrícia Habkouk, apontou que as mulheres que sofreram as consequências da mineração estão mais expostas à violência.

Atualmente, a promotora acompanha as mulheres da calha do rio Paraopeba e anunciou um investimento de R$25 milhões para a implantação da Casa da Mulher da Calha do Paraopeba. “Dentro daquele pacote de respostas rápidas da Vale, a gente conseguiu um projeto específico no eixo da violência doméstica. Então, é muito desafiador e, de fato, essas mulheres precisam de um acolhimento integral”, afirma. 

“Todo mundo juntinho, é muito gostoso!”

Para Marli Peixoto, dia das mulheres é todo dia e envolve lutar pelo lugar onde elas querem estar. Nascida e criada em Gondó, Marli não deseja deixar a comunidade.

“Eu e a minha mãe, a gente se acostumou muito com esse lugar. Se põe no meu lugar: você sofreu uma vida inteira por falta de moradia, você sai dessa moradia e tem tudo o que não tinha. Mas eu sempre deixo essa pergunta para a Anglo American: como eles podem amenizar essa situação para a gente não precisar se deslocar desse lugar da gente?”

Outra luta das mulheres é poder dizer quem elas são. Além de lutar contra os impactos da mineração, Lilian Costa também reivindica que a Anglo American a reconheça como uma pessoa atingida. 

Lilian sente falta de um acordo entre a comunidade e a mineradora Anglo American e sugere projetos para jovens, idosos e mulheres:  “Eles poderiam ter um olhar mais carinhoso com a comunidade porque a gente é atingido sim e a comunidade tem muita demanda. Muitas mulheres não trabalham porque precisam cuidar da casa, dos filhos… Outras já trabalham e têm uma vida corrida, não têm tempo”. 

Para a permanência da cultura local, o cultivo de plantas e a criação de animais também são imprescindíveis. Foi o que apontou Elizete: “Em algumas casas, os animais bebem da água do rio, que é poluída. Não tem como dar água do caminhão-pipa para os animais porque pode faltar dentro de casa.”

A luta das mulheres atingidas pela mineração nesses territórios vai além da preservação ambiental e abrange seus costumes. Sua luta é por vida digna: “A gente é família. Imagina um cardume, todo mundo juntinho, é muito gostoso!”, diz Marli.